Fui uma das 42 pessoas que subscreveram a «Carta aberta às televisões generalistas nacionais». Um documento coletivo, onde cidadãos e cidadãs com diferentes sensibilidades, opiniões e escolhas políticas convergiram na denúncia pública de algumas práticas das televisões generalistas. Criticando, em particular, o facto de, no contexto da atual pandemia, estas tudo fazerem para destacar os seus aspetos mais negativos, servindo-se das circunstâncias para lutarem pelas audiências e, de caminho, para atacarem quem procura, contra carências, incompreensões e situações imprevisíveis, atalhar o melhor e o mais rápido que é possível às consequências do flagelo.
Uma crítica completamente legítima, feita, não tanto ao conteúdo dos noticiários – e muito menos à liberdade de informar – mas a um registo que, na conhecida linha do jornalismo sensacionalista, tem ampliado a confusão e o alarmismo, em nada ajudando a responder ao problema e a serenar os cidadãos. Na verdade, a «Carta» era um apelo à consciência crítica de quem ali exerce o dever de informar, no sentido de, no contexto, definir uma posição menos agressiva e mais útil.
Admito que não me apercebi de imediato das reações de algumas das pessoas que se sentiram «atingidas» pelo documento em causa. A verdade é que, dada o tom acusatório e cansativo que cada vez mais assumem, quase deixei de ver os programas considerados informativos das televisões nacionais, pelo que essas reações me passaram ao lado. Tomei agora conhecimento de algumas delas e fiquei tristemente esclarecido. Na generalidade, não contestam os termos da «Carta», aos quais, na verdade, não dão qualquer resposta. O que fazem, isso sim, são inqualificáveis juízos de valor sobre a personalidade, as razões e os fundamentos dos seus autores e das suas autoras, acusando-os de pertencer a uma «esquerda retrógrada» com vontade de impor a «censura».
Sem atender, no mínimo, a que boa parte são pessoas que há largas décadas, antes ainda da fundação da democracia, e com consequências para as suas vidas, foram vigiadas, punidas ou mesmo detidas pelas polícias do antigo regime, justamente por se bateram pela conquista da liberdade de opinião e de informação. E que algumas até têm mantido responsabilidades no campo da comunicação. Não escutei um único argumento no sentido do contraditório, mas apenas insultos e acusações. Por uma vez sirvo-me do mesmo padrão de «argumentos»: vindas de onde vêm, não admira que nessas palavras se confunda a liberdade com a insídia.
Rui Bebiano