Ao contrário do que o título em epígrafe pode sugerir, este texto não é sobre o dichote surgido e propagado na segunda metade do século XX, segundo o qual quem o proferia se declarava «marxista, mas da tendência Groucho». Talvez alguém capaz de afirmar, como o Marx nova-iorquino mais velho, mano de Harpo, Chico e dos outros dois, que «estes são os meus princípios, mas se eles não vos agradarem, tenho outros». Há quem o ligue a frase às pichagens situacionistas do Maio de 68, ou então aos efervescentes meandros do marxismo heterodoxo e da «nova esquerda» expandidos a partir dos meados da década de 1950. Porém, tanto quanto sei, não existem certezas sobre quem se lembrou de o dizer pela primeira vez. Aliás, nem isso interessa muito no caso aqui em apreço.
Falo sobretudo sobre uma certa perda de referentes com que me tenho deparado na pele de professor do ensino superior. Recordo-me de, há uma quinzena de anos, ter, em jeito de ilustração, utilizado numa aula aquela frase groucho-marxista. Reparei logo que ninguém – estariam umas setenta pessoas – parecera entender a piada. Perguntei então se sabiam quem tinham sido os Irmãos Marx e a resposta foi o silêncio, mesmo tendo algumas delas formação na área do cinema. Fiquei um pouco chocado, mas como também já tinha encontrado alunos que não sabiam quem fora Charlie Chaplin, engoli em seco e dei de barato que aquilo era fruto do tempo e que os referentes da cultura de massas sempre vão cumprindo o seu ciclo de nascimento, vida, morte e esquecimento.
Para o que eu não estava preparado foi, muito mais recentemente, para, durante uma das minhas aulas de inoculação do «ABC do marxismo», enfrentar um grande número de alunos e alunas – do ensino superior, insisto – que nunca tinham ouvido falar «daquele senhor de barbas parecido com Deus» que respondera em tempos pelo nome de Karl Marx. É certo que alguns talvez já tivessem escutado algo sobre os supostos malefícios do «marxismo cultural», mas que a expressão tinha a ver com o Marx coautor do ‘Manifesto Comunista’ de 1848 (e autor de ‘O Capital’, a obra que maiores tiragens alcançou na história do livro), somente dois ou três pareceram ter uma vaga ideia. Perante este cenário, fiquei com receio de perguntar se alguém ouvira falar de Platão, Joana d’Arc ou Einstein.
[Publicado originalmente no Facebook]