Neste tempo em que os modos e os ritmos da informação e da comunicação tão rapidamente se desdobram, ganhando muitos dos seus títulos e fontes uma dimensão global, o jornalismo regional mantém, ainda assim, um importante papel a cumprir. O qualificativo «regional» é, aliás, preferível ao de «regionalista», dado este evocar uma perspetiva exclusivamente local, que tende a dobrar cada território sobre si próprio e muitas vezes se afirma virando as costas ao vizinho. Numa época em que os principais meios de comunicação se centram especialmente em temas de interesse nacional ou global, ocultando ou tratando de forma superficial aqueles que o não detêm, os média regionais cumprem o dever de olhar para assuntos, factos e dilemas que acontecem a uma escala da proximidade. Sempre foi esta a sua principal vocação e assim deverá permanecer, assegurando a visibilidade de hipóteses e de escolhas que à distância são difíceis de notar e de compreender.
Ela convive, no entanto, com dificuldades que lhe têm reduzido o impacto e apenas podem ser superados por um ato de vontade e de iniciativa, essencial para que se não consuma na irrelevância e no distanciamento de um público cada vez mais permeável a outras formas de acesso à informação, a interesses que têm uma dimensão mais ampla, ou a diferentes e arrojadas linguagens e formas de expressão e de acesso à notícia e à opinião. Dito isto de outro modo: para que não desapareça a curto prazo, com a mudança geracional, a cada vez mais veloz revolução tecnológica, a renovação das literacias e as transformações a ocorrer no próprio conceito e na dimensão do que pode agora ser tomado como «regional». São quatro os problemas aqui identificados e acompanhados de algumas das possíveis soluções.
O primeiro respeita à própria forma de olhar aquilo que é local ou regional. É imprescindível deixar de pensar que é possível isolar uma cidade, um concelho ou uma região no mapa, e assumir que mesmo as questões mais próximas mantêm uma ligação com aspetos de natureza bastante mais abrangente, que não podem ser tratados como laterais ou mesmo irrelevantes. Não é possível, por exemplo, falar das condições de funcionamento de um hospital ou de uma escola sem observar as políticas que transcendem, motivam ou condicionam as escolhas de quem dirige essas instituições e nelas trabalha ou a elas recorre. Por outro lado, estabelecer pontes com o vizinho permite ajudar a uns e a outros pela via da informação e da crítica, melhorando os processos de desenvolvimento inter-regional e valorizando um conhecimento em perspetiva. O que acontece em Coimbra – este é apenas o exemplo mais próximo, o da cidade onde vivo – não pode, pois, ser isolado «à força», voltando as costas, como tantas vezes acontece, em alguns casos até à caricatura, ao que se passa em Aveiro, Lisboa, Berlim, Tóquio ou Nova Iorque.
O segundo problema prende-se com a dificuldade em assumir uma atitude de independência ou de audácia, seja esta pessoal ou coletiva, em grande parte devido a laços de proximidade ou de cumplicidade política, mais difíceis de ultrapassar a uma escala média ou pequena. Esta limitação coloca-se principalmente na dimensão da capacidade crítica e na abordagem de temas sensíveis que envolvem responsabilidade pessoal. Em resultado, os jornais podem tomar a forma de folhas semioficiais, que nunca abordam assuntos polémicos, receiam a perspetiva da mudança e jamais questionam os poderes próximos. Afastam-se assim os leitores e os colaboradores com maior capacidade crítica, muitos destes dos que mais diretamente intervêm nas dinâmicas locais e dos que mais valorizam a democracia, por troca com um registo entorpecido e conformista, voltado para um público menos exigente e também ele sonolento. Todavia, independência e diversidade são sempre fatores de alargamento da qualidade, do interesse e da procura.
Um terceiro problema advém de uma atitude de facilitismo e de condescendência que frequentes vezes se desenvolve neste meio do jornalismo regional. A limitação da perspetiva e o medo da crítica vivem de mãos dadas com a rotina e com a ausência de ousadia, bem como com a desvalorização da imaginação e da criatividade. Nestas condições, as publicações descem, de forma inevitável, o padrão literário e temático da sua escrita, pois centram-se numa lógica da previsibilidade e de redução ao «menor denominador comum» da relação com o seu público. A ampliação das perspetivas e do conhecimento, condição indispensável, aliada à criatividade e à inovação, para a produção de um público ávido e interessado, passa, necessariamente, ainda que combinada com a adoção de discursividades inteligíveis pela maioria dos leitores, por uma escrita menos dependente do cliché e da frase feita, associada a um enfadonho déjà vu, que, perante a oferta existente hoje no campo da informação, tem os dias contados.
O quarto e último problema que este artigo identifica tem a ver com uma rejeição em adotar de uma forma aberta e criativa do recurso ao digital, com edições em linha regularmente atualizadas e em parte autonomizadas, ou com matérias expressamente concebidas para esse formato, como há já mais de uma década o tem feito em crescendo a imprensa nacional. É verdade que na dimensão regional a percentagem de leitores de jornais que prefere o papel é ainda bastante significativa, não podendo ser abandonada, mas este é um hábito tendencialmente em vias de desaparecimento, associado a um público em redução a cada ano que passa. Ao mesmo tempo, exclui as gerações mais recentes, já habituadas a outros processos de comunicação e a outros suportes, deixando também de lado, ao alhear-se das redes sociais – complexas, é certo, mas agora incontornáveis – uma relação de interação que pode ampliar o eco daquilo que de mais estático e datado apenas no papel pode ser encontrado.
Devido ao trabalho como historiador, durante alguns anos pude ler milhares de exemplares e dezenas de títulos de jornais regionais publicados na segunda metade do século XIX, reparando na forma como, sobretudo entre aqueles que estavam associados a uma ideia de progresso político e social, se evidenciava um esforço para elevar o conhecimento, a capacidade crítica e a participação cívica dos leitores. A subordinação dos conteúdos ao princípio do consumidor semiletrado, ou que apenas pretendia encontrar nos jornais aquilo que já sabia ou deduzia mesmo sem os ler, não faziam parte da sua orientação. Lembro apenas o bissemanário O Conimbricense, fundado em 1854 e dirigido até 1898 por Joaquim Martins de Carvalho, excelente exemplo de jornal regional de alargados horizontes. Visitar as bibliotecas e conhecê-los pode servir de lição e de terapia para a renovação de um jornalismo regional instigador e adaptado às cadências do tempo que é o nosso.
Rui Bebiano
Fotografia de Tim Mossholder, 2016 [Unsplash]Publicado no sinalAberto de 11/4/2021