Para o franco-norte-americano George Steiner, um dos marcadores centrais de uma certa «ideia de Europa» foi desenhado pelo roteiro dos cafés, desde meados do século XVIII lugares ímpares «de entrevistas e conspirações, de debates intelectuais e mexericos», como escreveu o filósofo num curto ensaio sobre o tema. Abertos a todos desde manhã cedo até quando as ruas ficavam quase silenciosas e desertas, funcionaram até há relativamente pouco tempo, desde Odessa até Lisboa, passando por Viena, Paris ou Barcelona, sempre à sombra da antiga influência turca, como espaços-fortaleza de sociabilização e de reconhecimento identitário, por vezes decisivos na evolução política e cultural das cidades e dos Estados.
Em Portugal, assim se mantiveram, sem alteração no cumprimento dessas mesmas funções, sensivelmente até aos meados dos anos oitenta, quando começaram a ser substituídos por bancos ou pizzarias, ou passaram a ser lugares menos hospitaleiros, perdendo ainda a secção que vendia cigarros, jornais e lotaria. E, acima de tudo, com a afirmação da vaga higienista, que fez diluir, em especial nos maiores e mais antigos, aquela forte mistura aromática de café e tabaco, incrustada, ano após ano, nas madeiras do mobiliário e no teto, que para muitos agora já só representa a grata recordação de um mundo perdido. Que tantas vezes foi, como evocava o conhecido romance de Patrick Modiano, o lugar central de uma juventude perdida.
Onde quem tinha vida para o poder fazer se mantinha todos os dias horas a fio – em Coimbra, pelo preço de uma «bica» matinal um estudante tinha direito a mesa reservada para o dia todo, ainda que saísse para namorar, uma ida ao cinema ou uma aula – num labirinto de encontros e de desencontros, de conversas e de zangas, entre desgostos, celebrações e projetos de futuro. Também como lugares de conhecimento, de crítica e de insubmissão. Fora deles, tudo isto acontece hoje de um outro modo. Nem melhor, nem pior, sem dúvida, mas jamais da mesma forma. Guardados no espaço da memória, os velhos cafés servem agora, na perspetiva de uma nostalgia positiva, para recarregar baterias no que foi o melhor de muitas vidas.