Tenho desde há anos, como colaborador do Plano Nacional de Leitura, agora destinado a leitores de todas as idades, avaliado parte considerável dos livros publicados em Portugal no campo da história, ou que com esta confluem. Este trabalho tem-me dado uma boa panorâmica da edição neste domínio, seja de autores nacionais ou em tradução. Todavia, o aspeto positivo que representa a elevada quantidade dos títulos é contrariado pela baixa qualidade de uma parte significativa deles, principalmente da responsabilidade de portugueses. Esta é particularmente manifesta entre os que não são academicamente validados ou escritos por historiadores profissionais – o que também não é sempre atestado de qualidade –, dependendo apenas de um acordo entre autor e editor. Vejo três grandes problemas.
Em primeiro lugar, um grande número de livros são reedições de obras com bastantes anos, por vezes décadas de vida. Isto poderá parecer positivo, dado muitos deles serem textos clássicos esgotados no mercado, deste modo tornados acessíveis. O problema ocorre porque se trata com frequência de obras ultrapassadas tanto no plano do conhecimento quanto no da metodologia, que não são acompanhadas de informação, um curto prefácio que seja, capaz de avisar os leitores ou de situar cada edição no contexto científico da época em que saiu. Como resultado, muitos compram informação requentada, desatualizada ou insuficiente sem de tal se aperceberem. Ou seja, gato por lebre.
Em segundo, deparo com um considerável número de livros pautados por uma pesada carga ideológica. É certo que não existe história pura, mas há hoje um aparato crítico que permite discernir o conhecimento razoavelmente objetivo daquele que é simples manipulação. Estão nestes casos numerosas obras recém-editadas, onde a perspetiva proposta durante o Estado Novo regressa como se nada tivesse acontecido nas últimas décadas. Uma exaltação «da fé e do império», imbuída de um profundo eurocentrismo cultural e de uma imagem mitificada de episódios e figuras do passado, que nos faz regressar à historiografia salazarista, em boa medida objeto de crítica e de superação já em democracia. Muitos destes livros retomam, aliás, perspetivas, conceitos ou mesmo parágrafos inteiros copiados de outros saídos na época.
Por último, encontram-se títulos que nada têm de conhecimento histórico, constituindo um chorrilho de mentiras, delírios e deturpações, cujo objetivo é chamar a atenção dos leitores devido ao caráter sensacionalista e retrógrado, por vezes fundado em tendências de teor nacionalista ou xenófobo, que um certo populismo procura difundir. Como exemplo, foi recentemente objeto de controvérsia e publicamente demolido por historiadores um livro da autoria do comentador televisivo José Gomes Ferreira. Nas perto de 500 páginas de «Factos Escondidos da História de Portugal», anunciado como «um olhar surpreendente e revelador sobre o passado e a verdade», apresenta-se uma sucessão de completas falsidades, de há muito denunciadas, ali mostradas, todavia, como se fossem achados.
Este panorama negativo não deve levar a generalizações sobre a edição no campo da história, tomando a parte pelo todo. É inegável que, ao mesmo tempo, muitíssimas obras inovadoras e de enorme qualidade têm sido escritas ou traduzidas. Mesmo entre aquelas produzidas por pessoas sem formação como historiadores, mas cujo esforço é sério e dedicado. O problema reside num mercado que vive do sensacionalismo e da tentativa de manipular o passado ao serviço de alguns dos interesses do presente. Mas reside também numa antiga falha, associada à forma como as obras de história produzidas em Portugal quase não são objeto de crítica pública.
Rui Bebiano
Fotografia de domínio públicoSaído no Diário As Beiras de 18/9/2021