Tenho dito e escrito isto em diversos lugares e diferentes momentos: aquilo de que mais gosto quando leio um texto de não-ficção (alguns de ficção também) é de pensamento complexo expresso de forma clara e razoavelmente transparente. É claro que quando falo de pensamento complexo não me refiro a juízos crípticos, mas a raciocínios que não são meramente lineares, de mera causa-efeito. E que quando falo de formulações claras, não estou a falar de discursos simplórios, expectáveis e cravados de clichés.
Acredito que é possível escrever bem, ou mesmo muito bem, e fazê-lo de modo original e criativo, sem recorrer para esse efeito a formulações que muitas vezes serão claras apenas para quem as redige. Em certos casos, conheço alguns, talvez nem isso. Como é possível desenvolver reflexões novas, inesperadas e abertas em sucessivas ramificações sem que tal esforço assuma a forma de intrincada charada. Comunicar é uma arte e, como todas as artes, mistura técnica, conhecimento, criatividade e interação.
É difícil fazê-lo? Depende: muitos autores conseguem-no de forma natural, como se fosse um dom, enquanto outros o vão conseguindo num esforço de anos, seguindo o processo de tentativa e erro. O segredo está no desejo de o fazer, na genuína vontade de partilhar conhecimento e reflexão, não na de exibir uma condição admirável e única. O inverso deste esforço consiste então em elaborar frases ocas em forma de rendilhado, fazendo-as passar por um exercício de inteligência ou por obra de arte.
Assim se enganam, por vezes, as pessoas que se deixam impressionar pela forma. Porém, aplicando aqui o conhecido raciocínio de Abraham Lincoln, se é verdade que é possível enganar toda a gente durante um certo tempo, e se podemos também enganar algumas pessoas todo o tempo, «jamais será possível enganar sempre toda a gente». Sobretudo quem escuta ou sabe ler de forma crítica e não se deixa levar por exercícios de estilo ou por conversa da treta a fazer-se passar por belas e loquazes palavras.