No Público de hoje, o coreógrafo e bailarino Rui Horta assina um texto de opinião significativamente intitulado «Campanha Eleitoral: 10 – Cultura: 0». Apesar de nele dar, com naturalidade, maior ênfase à sua área de interesse e trabalho, não deixa de colocar o tema numa perspetiva geral, mostrando até que ponto são escassas e ocupam um lugar claramente secundário as propostas eleitorais neste domínio.
Escreve a dada altura: «É aqui que reside o grande problema da cultura, pois, enquanto esta não se constituir como pilar do discurso político, nunca será respeitada, e este facto perpetuará o nosso atraso endémico. Algo que a generalidade dos países de Leste, que têm vindo a ultrapassar o nosso nível económico, cedo entenderam, representando quase todos eles os maiores investimentos na cultura ao nível europeu, sendo Portugal o terceiro mais baixo, a seguir a Chipre e à Grécia.» E um pouco mais adiante: «É essencial valorizar o papel do artista na sociedade, (…) uma necessidade premente e posta a nu pelo enorme sofrimento do meio cultural durante a pandemia. Qualquer que seja a cor política da futura governação, este deve ser um desígnio incontornável.»
É certo que alguns partidos, em especial aqueles que sei situam na área da esquerda – para nossa direita, «cultura» é quase exclusivamente passado e «tradições» -, dá importância a este domínio e aos seus agentes. Mas o problema que Rui Horta põe é mais fundo, dizendo respeito, a uma lógica de prioridades. Dado o que faço na vida, já fui convidado para representar «a cultura» em encontros políticos organizados por partidos e movimentos de esquerda e, invariavelmente, a minha intervenção foi deixada para horas mortas ou então para o «fim de festa», quando a maior parte das pessoas presentes já estava a desmobilizar. Numa das vezes foi-me dito até expressamente, por uma pessoa que política e pessoalmente prezo: «desculpa lá, Rui, mas agora já não podemos tratar da cultura, pois estão aí os tipos da televisão».