As avestruzes a enfiarem a cabeça num buraco cavado na areia quando se sentem ameaçadas não passa de uma lenda. Na realidade, isso jamais acontece. Mas como metáfora a lenda tem feito o seu caminho, aplicando-se às pessoas que, confrontadas com uma situação incómoda ou inesperada, para a qual não encontram resposta que as deixe satisfeitas, ou que outros associam a uma solução contrária às suas certezas, contornam o tema e evitam falar dele, agindo, num processo de negação, como se não tivesse ocorrido. Ou então como se não tivesse a importância e o sentido que outros, que nem aceitam ouvir, lhe atribuem, embora possam, em alguns momentos, reconhecer que talvez eles tenham uma pontinha de razão.
A atitude tem-se espalhado nos últimos dias entre setores da esquerda que recusam considerar como sobretudo da sua própria responsabilidade a enorme derrota eleitoral que pôs em cheque as suas certezas sobre o imediato, contrariando as análises e as previsões que tinham feito. Conheço muitas pessoas a quem isto está a acontecer: homens e mulheres que habitualmente considero informados, inteligentes, habituados a pensar e a debater, pessoas honestas também, que não têm por hábito deturpar a verdade, mas que por estes dias estão a desenvolver interpretações apenas compreensíveis por terem sido contaminados pela síndrome da avestruz. Espero muito que seja só uma fase insalubre e que em breve possam regressar ao normal.