Impressiona a forma como tão grande número de pessoas – nas redes sociais, onde tantas vezes se comenta de forma bastante light, ou com base na simples intuição e no «ouvir dizer», mas também, e aqui menos compreensivelmente, nos jornais e na televisão – dá a invasão da Ucrânia pela Rússia, e o avanço desta até Kiev, como dados praticamente adquiridos. Fala-se da paz e da guerra, para mais aqui mesmo ao lado, com uma ligeireza, uma falta de sentido estratégico e um desconhecimento da realidade no terreno e da história da região, verdadeiramente chocantes.
Salvo se ocorrer algo de todo inesperado, a guerra ou não acontecerá, ou, a ocorrer, incidirá sobre regiões fronteiriças de interesse para a Rússia, em particular aquelas que lhe permitam lançar um corredor de acesso até à já ocupada Crimeia. Aquilo que está a acontecer, isso sim, é uma sucessão de pressões e de desinformação em massa, associada a interesses geoestratégicos dos EUA e da Rússia na região, que tende a protelar a adesão da Ucrânia à NATO. Uma espécie de sequela da velha Guerra Fria que imporá, após alguns acertos, uma ordem própria naquelas paragens. Esta é que depende do que se joga no tabuleiro de xadrez e ainda não sabemos qual será.
Não sei se têm reparado os muitos «comentadeiros» que a larga maioria dos ucranianos parece bastante menos preocupada que eles. Uma guerra em larga escala, com a densidade de população na área e o armamento atualmente disponível, provocaria danos indescritíveis e muito duradouros para ambos os lados, bem como ondas de choque a uma escala global, e poucos, salvo os falcões de todos os quadrantes e quem comenta como se estivesse a fazê-lo sobre um filme ou uma série de ação e aventura, está em condições de a aceitar.