Desde o início do terrível conflito determinado pela invasão da Ucrânia pela Rússia, a posição do PCP tem sido coerente com aquela que tem mantido noutras ocasiões igualmente dramáticas e de idêntico sentido. Pela maior proximidade temporal e pelo idêntico e brutal estilo de intervenção, relembro o que aconteceu na Síria, onde, usando como desculpa a presença no terreno do Daesh, ali de facto minoritário, apoiou a intervenção russa de suporte bélico ao ditador Assad, sobre a qual chegou a organizar sessões «de esclarecimento» pelo país, que levou à total destruição de cidades inteiras – Alepo, a maior do país, foi arrasada –, à morte de centenas de milhares de pessoas e à fuga e exílio de milhões.
Na situação ucraniana, a posição do partido, para além de errada e injusta, tem servido de motivo para posições de extrema-direita, que a usam para mostrar o seu anticomunismo. Por este motivo, já por duas vezes aqui tomei a defesa do PCP, pois nada pode justificar a ameaça a militantes seus e o ataque, já concretizado em pelo menos duas situações, a sedes do partido. Repito o que escrevi há alguns dias: vindo de quem vem, o ataque aos comunistas é-o ao elo neste contexto mais frágil da esquerda e da democracia, mas é-o também a toda a esquerda, que igualmente odeiam, e à própria democracia, da qual o PCP é parte essencial, como heróico fundador, instrumento decisivo e escolha de muitos homens e mulheres que nele genuinamente confiam.
Porém, isto não invalida que a posição do PCP sobre a Ucrânia seja inaceitável e não deva ser combatida. A realidade desautoriza as recentes palavras de Jerónimo de Sousa quando afirmou que o seu partido não apoia a invasão daquele país soberano. Ele não a apoia formalmente, mas aceita-a e não mexe uma palha para reduzir os seus terríveis efeitos, virando ainda os argumentos, a propósito dos seus causadores, apoiado em análises dúbias e «informações» falsas ou muito parciais, e ignorando os testemunhos que chegam do terreno e os dos próprios ucranianos. Defendendo, na prática, o agressor contra o agredido.
Contraponho uma frase retirada da entrevista ao Expresso de Domingos Lopes, comunista e ex-militante do PCP, onde se manteve e foi dirigente durante 40 anos: «Na lógica do PCP, sendo a NATO uma organização agressiva e os EUA o polícia do mundo, então, faça o que fizer, a Rússia está sempre certa. Ora, isto não é verdade e retira possibilidade de alargamento de influência ao próprio PCP. Era necessário que o PCP tivesse uma visão mais comum aos comunistas, que é uma postura pacifista e de reforço do clima de paz. Ao contrário, a posição de Putin é imperialista e coloca em causa, não só a melhor tradição leninista da auto-determinação dos povos, como responsabiliza Lenine pela independência da Ucrânia! O PCP prefere a posição segundo a qual “os inimigos dos meus inimigos, são meus amigos”.»
É isto que não é aceitável, e se é verdade que o PCP não apoiou formalmente, preto no branco, a invasão e a destruição sistemática da Ucrânia e do seu povo, o ataque sem piedade à sua soberania, na realidade tem-se comportado a seu respeito como Pôncio Pilatos, o governador romano da Judeia que não interveio contra os fariseus na condenação de Jesus Cristo a morrer na cruz. A larga maioria dos portugueses dificilmente se esquecerá desta escolha.
Rui Bebiano