Sei de há muito, da história – tenho várias prateleiras da biblioteca preenchidas com livros que cruzam esse terrível género – e também da vida, que infelizmente existe um fascismo «de esquerda». Tristemente representado por aqueles que, em nome de grandes ideais formalmente igualitários, vividos sempre na fé e como abstrações, desqualificam o humano e não se importam de impor o sofrimento e a dor a quem se atravessar no caminho da «verdade» em que militam. Desde logo infligidos aos que se desviem uma vírgula da sua tão passageira quanto segura certeza, ou que consideram demasiado sentimentais por rejeitarem o determinismo histórico e que pessoas vivas sejam transformadas em peões ou estatísticas.
Para quem disto é «culpado», num primeiro momento existe a troça, a calúnia, a deturpação, a mentira, tudo o que sirva para arredar essa pessoa do caminho. Se os sabujos servem um poder, afastar significa então apagar: o castigo a infligir é agora a prisão, o ostracismo, o exílio, o campo de trabalho, a tortura física ou psicológica, ou mesmo o pelotão de fuzilamento, sempre em nome da insofismável «verdade». Lembrei-me deste fascismo «de esquerda» – do qual a grande tradição da minha esquerda não tem culpa, embora não faça o suficiente para se livrar da sua nódoa – quando vi um seu sicário denegrir, em jeito de suposta piada, quem se preocupa «com os gatinhos da Ucrânia», logo com os seus donos.
Esta guerra terrível está a mostrar essa gente à luz do dia, como acontece com as serpentes venenosas, que só vemos quando erguemos as pedras onde se escondem. Admito que está a custar-me bastante por constatar que também comporta nas suas fileiras quem, talvez ingenuamente, não esperava que estivesse.