Não será forçosamente uma qualidade, mas é uma maneira de viver. Jamais me relaciono com o mundo como mero espectador ou simples mensageiro. Muito ou pouco, de forma mais completa ou ligeira, com detalhes ou superficialmente, de forma emotiva ou mais racional, tenho sempre, muitas das vezes apenas para mim próprio, algo a dizer ou a acrescentar. A tudo: uma conversa, uma notícia, um discurso, um artigo de jornal, um livro, uma peça de teatro, um filme, uma peça musical ou um jogo de futebol. Seja sob a forma de comentário, de dúvida ou de simples anotação.
Não me parece sequer saudável deixarmos de tomar posição e de refletir criticamente sobre tudo aquilo que nos cerca. Não o fazer jamais gera mesmo, na minha perspetiva, uma forma de escravidão. Por isso, a principal lição que tentei e tento passar na vida como professor ou como comunicador foi que tudo pode, e tudo deve, ser objeto de permanente análise crítica, jamais existindo verdades que sejam únicas ou definitivas, seja sobre o que for. Valendo o conhecimento, além disso, apenas na medida em que o sabemos colher e interpretar sob essa perspetiva dinâmica.
Por este motivo, todos os livros da minha biblioteca, aqueles que verdadeiramente li com toda a atenção, incluindo não apenas o ensaio, mas também o romance e a poesia, contêm muitas anotações a lápis deixadas à margem ou em autocolantes. Falo dessa informação adicional associada a um ponto específico – seja a uma frase, a uma ideia ou a uma referência objetiva – presente num dado texto. Pode tratar-se de uma observação que inclua um comentário ou uma explicação, ou que destaque uma ideia, como pode também representar uma reação emotiva ao que se acaba de ler.
No meu caso, venha isso a ocorrer ou não, faço-o com o objetivo de usar o que daquele texto retirei na formação da minha própria leitura ou em algo que possa um dia vir a escrever. E também para que não se perca, já que a memória é frágil e, à medida que os anos vão passando, mais frágil ainda ela se torna. Por isso tenho muita dificuldade em entender – sei que é a opção da maioria das pessoas, que obviamente respeito, mas não aprecio – quem jamais toma notas sobre o que vê ou lê, apenas agindo como mero espectador e passivo consumidor.
Rui Bebiano
Fotografia de Victoria Yarlikova