Na sua cegueira, amigos e cúmplices de Vladimir Putin terão exultado com a sua última declaração. Principalmente por sete motivos, perante os quais é fácil contra-argumentar, mas que estes setores jamais questionam, ficcionando a sua própria visão da situação. Em primeiro lugar, porque assumiu formalmente que a Rússia está em guerra, deixando claro que antes andou a enganar os seus próprios concidadãos. Em segundo, porque decidiu o lançamento da mobilização de 300.000 reservistas, o que apenas confirma as notícias sobre o desastre militar que tem sido a sua iniciativa na Ucrânia. Em terceiro, porque acusa o ocidente de «chantagem nuclear», embora todos os jornais mostrem há meses as sucessivas ameaças feitas neste preciso sentido por ele e por Lavrov.
Em quarto, porque retoma a lengalenga sobre os supostos «nazis», quando toda a informação que chega do terreno mostra como na Ucrânia são uma pequena minoria, normalmente associada ao batalhão Azov e a um partido de extrema-direita que teve 1,1% dos votos nas últimas eleições legislativas. Em quinto, porque omite completamente a existência de setores militares de extrema-direita que apoiam no terreno o governo russo, como o Grupo Wagner, o Interbrigadas, o Exército Ortodoxo Russo, o Batalhão Svarozhich, o Destacamento Jovan Šević, as Unidades de Voluntários da RNU e outros. Para além dos bandos de assassinos e terroristas chechenos.
Em sexto, porque omite as fações de governos, de partidos e lideranças de extrema-direita ou populistas que o apoiam em países como a Hungria, a Polónia, a República Checa, a Áustria (FPÖ-Partido da Liberdade), a Alemanha (AfD) e a França (União Nacional de Marine Le Pen e Reconquista de Éric Zemmour). Aos quais podem juntar-se nos Estados Unidos grupos vinculados ao movimento de Steve Bannon, e no Brasil largos setores do bolsonarismo. Finalmente, em sétimo lugar, porque, face a este panorama, Putin insiste no chavão sobre o caráter inteiramente demoníaco da NATO, os EUA e a União Europeia – o que está na raiz da compreensão perante Moscovo de alguns setores da esquerda mundial -, ignorando o caráter e larga medida interimperialista e de assalto antidemocrático desta guerra que começou.
Rui Bebiano