A generalidade dos comentadores de política internacional concorda em que o último discurso de Putin representa um evidente sinal do desespero de quem se viu com todas as suas previsões belicistas trocadas e se confronta agora com o espectro de uma derrota militar na Ucrânia. Depois da sua intervenção, a situação piorou ainda, com alguns sinais bem visíveis, como a fuga de pessoas da Rússia perante a ameaça de uma mobilização forçada para a guerra, o regresso das manifestações de rua, logo reprimidas pela polícia, o imediato reforço da ajuda militar ocidental a Kiev e as posições da China e da Índia, agora nitidamente desconfortáveis com o belicismo desvairado, na forma de fuga para a frente, do seu aliado e, mais recentemente, untuoso cortejador.
Ao mesmo tempo, quase todos coincidem também na consideração do perigo que estes sinais acentuam. Nesta altura, a hipótese de daqui resultarem acordos de paz, traduzidos numa óbvia derrota dos planos imperialistas de Putin, é mínima. Para que elas ocorressem, o avanço ucraniano deveria ser esmagador, o que não será possível e também não será desejável, pois traduziria uma passagem da guerra a novo patamar. Nestas condições, a tomada de decisões de último recurso, que Putin praticamente anunciou e consideram o uso de armamento nuclear, que normalmente se consideraria serem impensáveis – além do mais, elas derrotarão sempre todas as partes -, podem ser, como acontece nas cabeças dos ditadores acossados confrontados com a derrota e que usam os últimos recursos para a tentarem evitar, inteiramente possível.
Nestas condições, e sem pretender ser pessimista ou catastrofista, teremos de preparar-nos para o pior, que incluirá um agravamento da situação e do envolvimento de outros países nesta guerra. A Europa tem tido a grandeza – independentemente das suas contradições internas e de diferentes motivações, algumas delas pouco confessáveis – de ter assumido enfrentar o problema ucraniano com uma dose de empenho que ninguém há meio ano consideraria possível. Mas o pior pode estar ainda para vir. Por isso a opinião pública europeia e mundial deve preparar-se para essa possibilidade, combatendo também as quintas colunas que preferem ceder à chantagem ou consideram até que não existe chantagem alguma, acreditando nas patranhas de Putin e esperando mesmo a rendição dos agredidos.
Rui Bebiano