Contava um meu professor que certo aluno, ao qual durante uma aula pedira que dissesse o que pensava sobre a função da guerra, teria afirmado odiá-la, pois sem ela não haveria história e não se veria forçado a estudar uma disciplina que detestava. Apresentado de forma ingénua, o que afirmou esse aluno vai no sentido da conhecida afirmação de Engels, deixada no seu Anti-Dühring, sobre ter sido a violência da guerra «a parteira da história». Isto é, a força dinâmica indispensável e decisiva no longo trajeto das sociedades humanas. A ideia não traduz, por parte do amigo e colaborador de Marx, uma vontade de glorificação do papel da guerra, mas tão só a constatação de uma realidade: goste-se ou não dela, os avanços e os recuos da história das sociedades humanas tiveram a guerra como constante cenário e decisivo fator de transformação.
Ao mesmo tempo, esta realidade foi sempre acompanhada – por um elementar instinto de sobrevivência ou pela expressão de convicções – de um desejo de paz. Todavia, ao longo de milénios este não passou de uma utopia, particularmente distante quando a vontade de conquista e de dominação era determinante para as grandes decisões políticas. Apenas no século XVIII, com as ideias do abade de Saint-Pierre, autor em 1713 de um Projeto para Tornar a Paz Perpétua na Europa, começou a prever-se a hipótese de um acordo entre os Estados europeus e a instituição de uma assembleia que resolvesse pacificamente os seus conflitos. A obra influenciaria Kant, que no tratado Para a Paz Perpétua, já de 1795, colocou a consciência cívica dos indivíduos no centro do combate contra a guerra, inaugurando uma corrente de pensamento pacifista. Sabe-se como só a criação da Sociedade das Nações, em 1919, permitiu concretizar a bela proposta de Saint-Pierre.
A tradição do pacifismo é longa, desenvolvendo-se como setor de opinião a partir dos meados do século XIX, não por um acaso com o crescimento dos Estados-nação e das suas iniciativas de expansão armada, e também com o alastramento da instrução pública e dos movimentos sociais. Porém, será apenas durante as décadas de 1970-1980, no contexto da afirmação das novas correntes ecologistas e de oposição ao nuclear, que tomará a forma de corrente política com o apoio de importantes setores, estando hoje muito presente em programas e combates que visam produzir sociedades mais justas.
No entanto, o pacifismo não representa em si um bem. Por um lado, porque muitas vezes é somente formal – o Conselho Mundial da Paz, criado em 1949 pela União Soviética, destinava-se a apoiar um dos lados da Guerra Fria, enquanto parte do movimento pela paz no Vietname defendia o regime de Hanói –, e, por outro, porque pode impor escolhas que impedem um combate por causas justas, conduzindo à instalação de uma «paz podre» assente em regimes de servidão e domínio. Era isto que visava Camus quando, em dezembro de 1957, no enérgico e emotivo discurso proferido em Estocolmo quando ali recebeu o Nobel da Literatura, afirmou que «a paz é o maior dos bens, todavia ela não pode trazer consigo a servidão». O escritor, que tinha resistido ao nazismo, sabia do que falava quando referia aqueles que faziam equivaler paz e submissão.
No contexto da guerra de invasão da Ucrânia – como no de outras, menos ruidosas, que continuam a assolar o mundo –, é fácil perceber que, se a paz é o único caminho, de modo algum ela pode assentar na conciliação com o algoz. Aqueles que não sabem ou não querem distinguir qual o mal maior, proclamando desejos de «paz» que são de facto convites à escravidão, deveriam lembrar-se que se o nazismo não tivesse sido combatido, estabelecendo-se para o efeito alianças impensáveis noutras alturas, viveríamos ainda a aterradora «paz» desse «Reich de Mil Anos» proclamado por Adolf Hitler. O falso pacifismo que preconizam é um instrumento de cumplicidade com o agressor.
Rui Bebiano
Fotografia de Igor DemidovPublicado no Diário As Beiras de 1/10/2022