Até ao século XVIII a condição de autor de uma obra escrita era de tal forma desvalorizada que o seu nome surgia no rosto sempre na última linha em caracteres muito pequenos. O destaque era conferido ao patrono – quem pagava o trabalho ou a quem a obra era dedicada -, de seguida a um título invariavelmente muito longo, e depois ao impressor, que também editava. O justo triunfo do autor foi, em larga medida, um produto do movimento romântico e, se a ele raramente passou a corresponder uma compensação justa pelo trabalho – salvo se for um best-seller, daqueles que se vendem hoje nas estações de comboio e nos hipermercados, ao lado de pastilhas elásticas e bolachas -, ocorre ao mesmo tempo um reconhecimento visual do seu papel, sendo agora identificado com clareza.
Não aprecio, todavia, capas nas quais a autoria tem muito maior destaque que o título, pois dá a impressão de que aquilo que se vende é quem escreve e não o que escreve. Ainda se compreende como estratégia comercial quando se trata de autor com prémio de prestígio ou que é já um clássico, mas ver essa estratégia aplicada a quem quase ninguém conhece parece bastante insólito. Naturalmente, isto não é um juízo absoluto, necessariamente justo, mas o que penso de cada vez que numa livraria me atiram à cara uma qualquer «Joaquina Morgado» ou um certo «Domingos D’Ornelas» oscila entre o «devo ter perdido algum detalhe» e um «estão a vender gato por lebre». Nestas situações, infelizmente tal como o outro senhor, «raramente me engano».
[originalmente no Facebook]