O número de abusos de natureza sexual praticados sobre menores ao longo dos últimos 72 anos, revelado hoje por uma comissão independente ligada à Igreja católica portuguesa, aponta para 4.815 vítimas, sobretudo rapazes, mas também bastantes raparigas, sem qualquer estimativa complementar. Fundam-se em 512 corajosos testemunhos e talvez não seja possível ir muito mais longe, pois inúmeros outros jamais serão ouvidos, sejam os de pessoas para sempre desaparecidas ou os de quem prefere não tocar mais em assunto que a penaliza. Durante a conferência de imprensa em que os resultados foram divulgados, estes casos foram considerados «residuais».
Ficam no ar duas grandes dúvidas: primeiro, a que se põe perante a escassez dos números, quando em França uma comissão análoga estimou, para um período um pouco mais pequeno – estimou, não contabilizou -, cerca de 200.000 vítimas; depois, a que reporta à dimensão escondida da maioria das situações realmente verificadas, dada a invisibilidade absoluta de crimes cometidos ao longo de séculos e sistematicamente silenciados. E fica também uma certeza: a de que a Igreja católica de há muito trata a sexualidade e o desejo de uma forma tão culpabilizante que só pode ter multiplicado situações desta natureza que jamais serão reparadas. E isto, é claro, continua calado.