Uma das maiores dificuldades que ocorre de forma muito habitual nas abordagens da história e da memória – obrigando a uma permanente vigilância da parte de quem a escreve ou a transmite -, e que perpassa em todos os processos que envolvem a comunicação pública do passado, é a disseminação do anacronismo e, pior que este, da tendência para ignorar os contextos. Olhar escolhas e momentos do passado, seja o pessoal ou o coletivo, no lugar onde hoje vivemos ou a milhares de quilómetros dele, no território das ideias ou no dos costumes e decisões, pelos olhos e valores da cultura agora dominante e da diferente sensibilidade que hoje detemos.
Isto acontece mesmo quando a necessidade de situar no tempo aquilo que ficou para trás se aplica à nossa própria existência: pensamos e agimos nesta altura das nossas vidas de formas que jamais poderíamos conhecer e usar há cinquenta anos e de acordo com modos de estar e de comunicar muito diferentes dos que poderíamos demonstrar num tempo recuado. Julgar pessoas e comportamentos do passado sem os contextualizarmos é um sinal de ignorância, mas é também uma forma de desarmar e de não compreender o presente. Além de poder levar a formas de injustiça retrospetiva e de ser também um gesto de descrédito da nossa própria biografia.