Parte dos partidos e organizações que integram o nosso espectro político, de um extremo ao outro, manifesta muitas vezes uma importuna tendência para afirmar pontos de vista que tendem – perdoe-se a crueza – a fazer os outros de parvos. A prática ocorre mais em algumas forças que em outras, e por certo não em todas, mas é muito negativa para a democracia, sobretudo quando vem de correntes que se bateram e batem pela justiça e pela igualdade. Consiste em afirmar ideias que qualquer ser pensante, informado e honesto consigo mesmo sabe que não são verdadeiras, mas esses setores insistem em proclamar ‘urbi et orbi’ como indiscutíveis verdades.
Dou apenas dois exemplos: a insistente afirmação da Ucrânia como um Estado «fascista e nazi», legitimando a intervenção brutal de Putin e dos seus mercenários do Wagner, e insultando quem se bate pela soberania daquele Estado, apoia a sua defesa e defende o seu povo mártir; e a lenda destinada a contrariar a legitimidade do atual governo condenando a sua maioria absoluta por esta resultar de uma manobra maquiavélica, quando ela apenas foi permitida por quem irresponsavelmente, não se abstendo na moção de censura que fez cair a anterior legislatura, deu lugar a que inúmeros cidadãos transferissem o seu voto, ainda que parte deles a contra-vontade, para o atual partido no poder.
Esquece-se assim o princípio de acordo com o qual uma mentira mil vezes repetida não passa por isso a ser verdade, ao mesmo tempo que na prática se insulta quem sabe que está a ser enganado por afirmações nas quais só o pequeno setor que as emite realmente acredita. Na verdade, esta prática apenas isola essas correntes políticas: os seus fiéis ficam com uma «mantra» para repetir até à exaustão diante do mundo real, explicando o inexplicável, o que até lhes pode conceder alguma paz de consciência, enquanto a larga maioria se desinteressa e se distancia. Mesmo quando essas correntes defendem princípios basicamente justos e necessários.