A última coluna de opinião de António Guerreiro é sobre o fenómeno woke. Como sei que muitas pessoas cultas e informadas não sabem do que se trata – nem toda a gente pode estar permanentemente atenta à infinita e cada vez mais rápida renovação dos léxicos – faço copy-paste do primeiro parágrafo do artigo da versão portuguesa da Wikipédia, inevitavelmente sintético e limitado
«Woke, como um termo político de origem afro-americana, refere-se a uma perceção e a uma consciência das questões relativas à justiça social e racial. O termo deriva da expressão do inglês vernáculo afro-americano “stay woke” (em português: continua acordado ou desperto), cujo aspeto gramatical se refere a uma consciência contínua dessas questões. No final da década de 2010, woke foi adotado como uma gíria mais genérica, amplamente associada a políticas identitárias, causas socialmente liberais, feminismo, ativismo LGBT e questões culturais (…). O seu uso generalizado desde 2014 é resultado do movimento Black Lives Matter.»
No seu artigo, Guerreiro discorre sobre a forma como este fenómeno tem uma dimensão que pode ser considerada legítima e justa, mas não deixa de chamar a atenção para aqueles/as, que servindo-se dele, defendem escolhas sociais negativas ou perigosas, como as que respeitam à censura de palavras e de termos, inclusive em obras literárias escritas quando significavam algo diverso do que representam ou podem representar hoje. Escreve o colunista do Público:
«A palavra woke, tal como ela hoje circula no espaço público, não é a dos que com ela se identificam (que, de resto, não sabemos quem são), mas dos que se apropriaram pejorativamente dela para a transformar num modelo negativo. Veja-se o que aconteceu com a political correctness, que já ninguém ousa reivindicar: nos Estados Unidos, ela foi completamente apropriada como modelo negativo e, reduzida a uma caricatura, passou a servir as ofensivas dos conservadores e da extrema-direita contra um fantasmático poder das minorias. Grande parte da agitação em torno do woke é já hoje, também ela, uma agitação anti. E como procede este movimento inorgânico anti? Projectando um inimigo fantasmático que tem muito pouco de real e muito de caricatura.
Esta tendência, encontramo-la também na política e sabemos muito bem em que consiste: em vez de debate político entre dois os vários campos ideológicos, temos construção recíproca de caricaturas. Deste modo, seja no campo de batalha político, seja no polemismo cultural, o que temos é uma guerra em que tudo vale, tornando impossível qualquer debate sério e substancial.»