Em ‘Para que serve a poesia hoje?’, Jean-Claude Pinson tenta responder a uma pergunta atual: «O que pode ainda a poesia, quando as suas ilusões líricas do passado recente (proporcionar uma vista desimpedida para o Absoluto, “mudar a vida”…) foram desacreditadas?» Com uma intensidade ampliada quando na ordem-do-dia se encontra a eliminação por decreto – e por organizado descrédito – do que se revela supérfluo, daquilo que não possui valor de uso nem serve para trocar por papel-moeda ou linha de crédito, não podendo aplicar-se a reduzir défices, a aferir «competências efectivas» ou a cumprir «objectivos estratégicos», importa olhá-la como território da clarividência e de resistência, não meramente onírico ou projetado para a evasão, que jamais deixou de ser, mas deve reassumir.
Sublinho Pinson que pelo seu lado se lembra de Charles Baudelaire: «O poeta – o poeta baudelairiano – confia-se à musa citadina em vez da académica, e coloca-se do lado do que é «fraco, arruinado, entristecido, órfão». Canta sem refilar os “cães calamitosos que erram, solitários, nas ruínas sinuosas das imensas cidades”. E talvez seja por a poesia não hesitar em encarregar-se, acrescenta Baudelaire, da “honra dos cães sujos”, que pode esperar contribuir para que permaneça aberta outra habitação do mundo, menos alienada. Pois a poesia não é, apesar de tudo, feita para os cães.»
[Baudelaire fotografado por Nadar]