1. A propósito do «caso Vladimir Pliassov», o professor de língua russa e diretor do Centro de Estudos Russos da Faculdade de Letras Universidade de Coimbra, já aposentado embora dando aulas graciosamente, que depois de 35 anos de serviço foi agora afastado pelo Reitor, sem qualquer intervenção ou sequer conhecimento da sua própria faculdade, por real ou supostamente fazer «propaganda russa» e de Putin junto dos alunos e nas aulas, deixo aqui algumas palavras que em boa consciência não poderia deixar de escrever.
Conheço o Vladimir e a sua notável bonomia desde o século passado, sabendo sempre que tem escolhas políticas não necessariamente (nem obrigatoriamente) consensuais. Recordo-me de uma ou outra conversa que com ele tive, ou de ecos que me chegaram das suas aulas, que revelavam até alguma nostalgia da antiga União Soviética, com a qual posso não simpatizar, mas que qualquer pessoa tem o direito de ter como sua. Sem entrar em detalhes, até por poder não deter todos os dados do problema, devo todavia garantir o seguinte, que cinjo a dois pontos:
1) Já neste século, e mesmo sabendo da minha posição crítica sobre a história da URSS a partir do final dos anos 20, o Vladimir convidou-me para falar sobre a história contemporânea do seu país numa sessão pública que organizou, mostrando uma abertura que então me surpreendeu positivamente; 2) Não é aceitável um despedimento desta natureza sem que seja precedido de um inquérito transparente, e sem que o inquirido tenha direito à defesa, tratando-se este, aliás, de um precedente que poderá ter consequências desastrosas previsíveis.
2. Deixo ainda em transcrição um fragmento do artigo «Vladimir Pliassov e a russofobia portuguesa», de Carmo Afonso, saído hoje no Público. Onde se destaca o problema da russofobia. Apoiar a justeza da guerra de resistência da Ucrânia contra a invasão russa de modo algum a pode legitimar.
«(…) Sempre existiu russofobia em Portugal. Em maio do ano passado, o jornal The Guardian publicou um estudo que anunciava Portugal como o terceiro país do mundo com maior aversão à Rússia, só ultrapassado pela Ucrânia e pela Polónia. Reparem que não temos qualquer ligação histórica à Rússia. Não existem traumas a explicar isto. A russofobia dos portugueses diz muito pouco sobre os russos. Terá a sua origem nos demónios semeados pela história dos pastorinhos de Fátima, nas fábulas da maldita Rússia comunista e ainda em alguma ficção importada dos Estados Unidos. Não é nada de novo, mas é claro que depois da invasão piorou.
A cultura russa é magnífica e ultrapassa, pela esquerda e pela direita, aquele que será o legado de Putin. Se sempre foram ridículas e despropositadas quaisquer animosidades contra a grande nação russa – de Tolstói, de Gogol, de Dostoiévski e de Nabokov – agora elas revestem uma gravidade extrema e não podem ser toleradas. A mensagem que passa, com o caso de Vladimir Pliassov, é que as pessoas de nacionalidade russa que vivem em Portugal estão desprotegidas e podem ser alvo de injustiças. (…)»
[originalmente no Facebook]