Antes de um texto mais extenso e minimamente fundamentado, algumas notas, contendo ideias avulsas e ainda um tanto desarrumadas, a propósito das eleições deste domingo.
1. O grande vencedor foram as televisões e alguma imprensa, que, em favor da direita, conseguiram condicionar o eleitorado. Justamente em condições de crescimento económico e de melhoria gradual de vida no país, ainda que com naturais problemas, disseminando uma inventada imagem de caos e de corrupção, e quase apagando a memória dos anos terríveis e que se supunham traumáticos do governo de direita de 2011-2015. Isto no ano do cinquentenário de Abril.
2. Boa parte desse trabalho alimentou o crescimento do Chega, esse movimento populista de extrema-direita – não lhe chamaria fascista, pois o fascismo ainda tinha uma ideologia – que, para além de um relativamente núcleo de espertalhaços e fala-barato racistas e xenófobos, conseguiu juntar um milhão de pessoas que, sem na larga maioria se lhes compararem, são basicamente, lamento escrevê-lo, estúpidas ou ignorantes. O que não se pode deixar de dizer de quem vota num partido sem programa minimamente credível e assente no ódio.
3. A AD – isto é, o PSD com os restos de um partido meio-morto, o CDS, e algumas figuras de outro há muito falecido – venceu, sem dúvida, embora à tangente, cavalgando aquele descontentamento artificial e, dada a presença do Chega, fazendo figura de «moderado» para juntar mais uns quantos descontentes e baralhados. Irá ter a vida difícil e a Iniciativa Liberal, sempre na defesa do apagamento do Estado-Providência, seguirá a seu reboque.
4. Dentro do possível, o PS não se portou mal de todo, apesar de ter sido derrotado. Contra a imprensa e a televisão, contra o PR, contra polícias e professores manipulados pela direita, com um secretário-geral novo e sem grande tempo para fazer muito mais, fez o possível para tentar prosseguir um trabalho do qual foi desalojado a meio da forma inusitada que sabemos. Deverá, é claro, repensar-se bastante.
5. O erráticos PR Marcelo e Ministério Público, ao desencadearem uma crise política desnecessária e extemporânea, criaram condições para anos de previsível instabilidade política e social. Podem agora, como diz o povo, «limpar as mãos à parede».
6. Uma palavra de grande mérito para o Livre, de uma esquerda ao mesmo tempo reivindicativa e construtiva, que teve 200.000 votos e quatro deputados, tendo, ainda assim, na maior parte dos distritos eleitorais, sido prejudicado pelo voto útil. O Bloco de Esquerda manteve votos e deputados, em boa parte, apesar da sua combatividade, limitado por durante tanto tempo ter elegido o PS como inimigo. Já PCP (o PEV é um não-partido) teve a pior votação em democracia, em boa parte resultante do seu imobilismo moral e ideológico, e das suas posições em política internacional, não se antevendo que possa sair da situação. Lá no meio das suas contradições, o PAN não parece, de todo, ter grande futuro.
7. Por fim, uma referência à reconhecida tendência para a maioria dos eleitores mais novos apoiarem a direita, enquanto os mais velhos seguem sobretudo a posição contrária. Muito há a pensar e a fazer para os setores progressistas conseguirem inverter a esta realidade, mas ela passará sempre, também, por um grande trabalho no campo da cultura e da educação. Afinal, não é inevitável que muitos deles tenham como experiência gratificante das suas vidas as praxes académicas e mantenham tão grande indigência no campo da leitura, das práticas culturais e da solidariedade.
8. O que há a fazer da parte da esquerda, claro, não é chorar sobre o leite derramado. Mas repensar a sua própria definição. E preparar-se para um grande, moroso e bem difícil trabalho político.
Rui Bebiano