O drama venezuelano e nós

Ontem, chegadas as notícias sobre a «vitória» de Maduro, por 51% dos votos – que este afirmou ter sido «por KO» – reparei nos primeiros países a reconhecê-la: Nicarágua, Cuba e Rússia. Onde, como se sabe, as eleições são apenas plebiscitos controlados. Calculei que a posição fosse secundada pelo PCP e fui procurá-la, mas por duas horas acreditei que um vento de bom senso teria introduzido alguma ponderação. Ao início da tarde, porém, saiu o previsível comunicado, na habitual língua de madeira: «O PCP saúda a eleição de Nicolás Maduro como Presidente da República Bolivariana da Venezuela, bem como o conjunto das forças progressistas, democráticas e patriotas venezuelanas. O PCP (…) condena a reacção do Governo português, alinhada com a política de ingerência dos EUA e da UE e quantos procuram animar a campanha promovida pela extrema-direita golpista.»

Os dados que estão a chegar apontam, todavia, no sentido oposto. A oposição – que não é «de extrema-direita», embora seja maioritariamente da direita democrática neoliberal – afirma ter vencido por perto de 70% e que todas as atas foram verificadas e digitalizadas para serem publicadas num portal na Internet que «vários líderes globais já estão a consultar» e que será público nas próximas horas, para que todos possam ver as provas da vitória de Edmundo Urrutia. Para além disto, o indiscutível: na Venezuela as eleições são condicionadas por leis que afastam candidatos, é impossível introduzir observadores, a comunicação social é completamente controlada pelo partido de Maduro (que tem até um programa semanal na televisão), a comissão nacional eleitoral é nomeada pelo governo e existe coação eleitoral sobre os funcionários públicos, tudo numa situação económica e social catastrófica.

Neste contexto, entre nós, partidos de esquerda que, por uma eventual proximidade em termos de grande família política, poderiam até apoiar Maduro, não o fazem. O Bloco de Esquerda afirmou claramente que «falta transparência» ao ato eleitoral e por isso aos seus resultados, enquanto o Livre apelou à recontagem dos votos por independentes de modo a garantir a legitimidade. O PCP, todavia, passa por cima de tudo isto e, como sempre, aponta culpas pela contestação destas eleições como fraudulentas ao Grande Satã representado pelos EUA e pela União Europeia. Jamais se lhe tendo escutado, como é sabido, uma palavra de crítica às manipulações eleitorais em tiranias que na prática consideram próximas. Diria que isto é tudo é muito triste e era desnecessário, mas repete-se tantas vezes que já era expectável. Dando argumentos a quem, por muito que lhe reconheça um inegável papel histórico, desconfia do partido.

Rui Bebiano

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