Kamala e a América

A noite passada, madrugada aqui em Portugal, o discurso de aceitação de Kamala Harris, perante a Convenção do Partido Democrata, como candidata à presidência dos EUA, foi, como seria de esperar, um excelente exercício de determinação e de retórica, recebido no centro de congressos de Chicago com um enorme entusiasmo e de forma triunfal. Se tivesse, como um certo presidente da República, a incumbência de atribuir notas de 0 a 20 no domínio da oratória, se a Barack e Michelle Obama teria atribuído, sem pestanejar, a ambos um 20, a Kamala dou sem qualquer dúvida um 19. Mas os Obama são, de certa forma, seres de outro planeta no campo da capacidade de comunicação, enquanto a afirmativa candidata democrata ainda pertence ao domínio do humano.

O discurso percorreu os grandes temas da política interna e externa norte-americana, com um foco progressista como jamais vi num candidato democrata. Salvo num ou noutro ponto de política externa, talvez mesmo à esquerda daquele defendido por Bernie Sanders, nomeadamente em questões como a igualdade de género, os direitos das mulheres, o antirracismo, a proteção dos imigrantes, a abertura quase libertária no capítulo dos comportamentos. Teve, todavia, uma marca que a um europeu faz sempre alguma impressão: um assumido americanismo, entendido como a assunção de uma grandeza e de uma missão inigualáveis. Percebo que, no plano eleitoral, esta afirmação seja inevitável, pois de outro modo daria trunfos a Trump, mas existe ainda, neste domínio, um upgrade por fazer na cultura política democrática americana.

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