Os incêndios, os incendiários e as televisões

Por razões sobretudo pessoais sou muito sensível ao drama anual dos incêndios florestais de verão. Nascido e criado na «Zona do Pinhal Interior Norte» – área que inclui 14 concelhos dos distritos de Coimbra e Leiria – recordo desde sempre o panorama regular destas calamidades e o medo que elas provocavam. Aconteceu mesmo, por duas vezes, ajudar no combate ao fogo, tendo numa delas chegado, juntamente com um pequeno grupo de populares, a ficar cercado pelas chamas. Uma memória inesquecível, como o é também a de exaustão absoluta, que nunca mais voltei a sentir, sentida após dois dias e duas noites sem dormir a combater o fogo.

Os meios, os de prevenção ou de combate, eram muitíssimo inferiores aos de hoje, pois em ditadura e a atenção prestada a situações desta natureza, que envolviam as populações, era mínima. A corporação do meu concelho possuía apenas um jipe, um velho camião de transporte e um camião-tanque avariado. Lembro-me de, à época, apesar da censura, se comentar o facto de proprietários de fábricas da região descontarem no ordenado as horas usadas no combate ao fogo pelos operários que eram bombeiros voluntários. Alguns desses proprietários eram, aliás, donos dos pinhais que ardiam e esses homens procuravam salvar.

Já em democracia, e apesar dos meios serem já bastante melhores, a falta de ordenamento e limpeza florestal, a par de algum descuido, tem mantido a ameaça, sendo o terrível incêndio de junho de 2017 o exemplo maior desta continuação. Fala-se também, nestes momentos, da existência de um grande número de incendiários, responsáveis pelos fogos em alguns muitos casos, embora não em bastantes outros. Este é, todavia, um problema real, agravado pelo facto das televisões terem, pelo abuso e banalização de imagens dos incêndios que repetem até à exaustão, contribuído – há estudos sobre a repetida ocorrência deste efeito de imitação – para estimular essas pessoas doentias.

É verdade que os incêndios são de interesse público e devem ser noticiados, mas menos sensacionalismo e mais debate, menos descritivismo e mais pesquisa, menos espetáculo e mais prevenção, poderiam ajudar a combater o flagelo, em vez de ajudarem a agravá-lo. Escreve hoje a propósito, no Público, António Marujo: «O que precisamos não é de uma informação monotemática: agora é a pandemia, a seguir uma tragédia, depois o futebol, outra tragédia, mais futebol, no Verão chegam os incêndios, depois os abusos sexuais (que ainda são tema, mas parece terem desaparecido da agenda mediática), depois o futebol, depois os incêndios. Não, não queremos. Queremos um noticiário televisivo rigoroso, diversificado, aprofundado, sucinto (e já agora, que não tem de durar hora e meia).»

Rui Bebiano

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