Não se desculpa, nem se ignora

Reparei há dias, a acompanhar uma fotografia que circulou profusamente e mostrava a real dimensão, pequena de cerca de cem pessoas, da manifestação em favor de uma abstrata «defesa da polícia» convocada pelo Chega junto do parlamento, num comentário quase eufórico a proclamar «afinal são tão poucos!». Esquece quem o fez, esquecemos muitos de nós quando observamos estas aparentes demonstrações de insignificância, que uma das caraterísticas da extrema-direita é ser alimentada, em boa parte, por gente com medo de tudo, cheia de rancor por isto ou por aquilo, habituada a calar e a levar, sempre pela penumbra, a água ao seu moinho egoísta. Gente que não dá o rosto ou se manifesta.

Existe até quem a apoie, mas se faz passar em privado por alguém que respeita a democracia e possui capacidade crítica; depois, no primeiro momento em que lhe é pedido um mínimo de coragem para o assumir em público uma escolha adequada ao que defende em voz baixa, se fecha em copas e escolhe contemporizar. Os fascismos e os populismos foram e são alimentados mais por esta gente silenciosa do que por aquela que desfila bradando sob as suas bandeiras. Por mim, entendo-os, é claro – conheço o suficiente do humano para compreender a sua existência e os seus traços – mas jamais os desculpo e não os ignoro. Desculpá-los é, no fundo, aceitar a sua cobardia. Ignorá-los é subestimar a sua real força na hora de decidir, alimentando o que de pior e mais mesquinho existe entre nós.

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