Os cem anos de Mário Soares e a social-democracia

Completam-se neste sábado, dia 7 de dezembro, cem anos sobre o nascimento de Mário Soares. Enquanto homem estruturalmente de esquerda, politicamente democrata e defensor constante do ideal de socialismo desde adolescente, e também na condição de pessoa com memória, sempre mantive, antes e depois do 25 de Abril, uma apreciação complexa e contraditória, embora atenta, daquele que foi uma das figuras-chave – a par de Afonso Costa, Salazar e Cunhal – para a compreensão do século XX português. Aliás, Soares foi também, e isto é um elogio, uma personalidade complexa e contraditória, dotada simultaneamente de pragmatismo, ousadia, inteligência e, sem dúvida, um amor enorme à democracia, mesmo quando num ou noutro momento agiu de uma forma autoritária. Era também homem com enorme bonomia e um grande sentido de humor, o que hoje tanta falta faz à generalidade dos nossos políticos. Discordei dele muitas vezes, mas jamais depreciando as suas escolhas e a sua personalidade. Tenho, por isso, noção da falta que nos faz.

No início da década de 1970, recordo-me de escutar alguns camaradas da esquerda revolucionária e do Partido Comunista a entoarem em assembleias de alunos universitários uma corruptela do refrão de uma conhecida canção de Luís Cília. Nesta, onde se entoava «E é sempre a mesma melodia/Salazar e a sua Democracia», muitos jovens com quem estava e de quem politicamente até me aproximava – apesar do combate visceral entre os «esquerdistas» e PCP – cantavam antes, jocosamente, «E é sempre a mesma melodia/Mário Soares e a Social-Democracia». Apesar daquela identificação, lembro-me de jamais o ter cantado, pois admirava já, na nossa diferença, a combatividade de Soares. E, como ainda hoje acontece, conhecendo já um pouco da história dos movimentos políticos e sociais, também por não considerar negativa, embora a soubesse também complexa, a experiência social-democrata (ou socialista democrática, como ele preferia). Muitos dos que, à esquerda, hoje ainda, por ignorância ou sectarismo, tomam «social-democrata» por um insulto, continuam a ver com relutância o legado de Mário Soares. Ainda que formalmente, talvez porque já cá não está, agora lhe reconheçam algumas qualidades políticas. Por mim, consigo ver muitas.

Rui Bebiano

Fotografia: Rafael Marchante / Público
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