Cegueira «pela paz»

A ideia peregrina, partilhada pelos ditadores Trump e Putin, ambos referendados em eleições manipuladas – no segundo caso, realizadas também sob forte repressão dos opositores – de colocar como condição para a paz na Ucrânia a realização de «eleições democráticas» é assombrosa. Obviamente, em plena situação de guerra, com territórios ocupados, sem condições para a afirmação de todas as correntes, dada a necessária proibição de partidos que são quintas-colunas do Kremlin, como o PC ucraniano, dessas eleições resultaria a definitiva divisão do país, com as áreas ainda controladas militarmente pelos russos a ficarem legitimadas. Seria também uma humilhação e um gesto de traição em relação às dezenas de milhares de homens e de mulheres que se bateram e morreram pela liberdade do seu país.

É claro que junto de alguns setores, que neste momento já tenho relutância em considerar «de esquerda» – são-no, na cabeça e na voz deles, mas isso só não chega -, esta proposta dos dois líderes imperiais assenta que nem uma luva na sua conhecida narrativa anti-ucraniana, apoia-se no mito, já repetidamente desmontado, que refere existência de um suposto setor «nazi» senhor da política de Kiev e das escolhas de Zelensky. E nem o facto de serem quem são os proponentes desta solução lhes abala o espírito e altera o comportamento irracional, disseminado sobretudo nos espaços pessoais ou de grupo em redes sociais e blogues, que controlam e usam objetivamente a favor da Rússia. Em nome de uma «paz» podre, da qual resultaria a definitiva opressão de uma nação inteira, seguem com a sua cegueira e as suas repugnantes mentiras. E, pasme-se, nem se importam de ter agora Trump como aliado. Alguém a este propósito recordava há dias o Pacto Germano-Soviético de 1939 e a comparação não é de todo despropositada.

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