A extrema-direita entre o mantra e a lengalenga

O mantra é uma fala monocórdica e repetitiva, em regra recitada ou cantada de forma ritual por seguidores do budismo e do hinduísmo. A sua harmonia pode incluir qualquer som, sílaba, palavra ou frase, desde que estes detenham um poder próprio, visando estimular o propósito sagrado de quem o pronuncia. O termo vem do sânscrito, significando «controlo da mente», sendo isto obtido num processo de concentração da consciência que essa repetição em boa parte impulsiona. Do seu lado, a dimensão ritualizada do mantra confere-lhe uma aura de sagrado, enquanto retira a quem o pronuncia a necessidade de procurar palavras próprias, usando então, de um modo mecânico, apenas aquelas que sucedem de geração em geração. Em português usamos um termo, lengalenga, com significado parcialmente análogo. Aplica-se a narrativas ou falas extensas, fastidiosas e expectáveis, de diferentes géneros, que se movem em círculo, numa cantilena que nada contém de novo e se faz ecoar a si própria.

A atual retórica da extrema-direita serve-se recorrentemente destas duas técnicas. Ao contrário daquela que, entre os inícios e os meados do século XX, construía a sua intervenção agressiva e retrógrada, sustentada por alguma fundamentação histórica e um modelo de sociedade com razões de natureza cultural e ideológica, a do presente apoia-se em fórmulas e objetivos muito limitados. Estes dependem sobretudo dos seus alvos políticos imediatos, expressos em mensagens curtas e fáceis de entender no universo veloz das redes sociais e da comunicação social, deles estando ausentes formulações sustentadas de propostas de futuro. Fazem-no através de um mantra, ou de uma lengalenga, que sempre colocam em short loop quatro temas únicos. São eles o enaltecimento de um modelo de patriotismo, a forte retórica anti-imigração, a referência alarmista à criminalidade e o permanente espetro da corrupção, todos embrulhados num palavrório populista e panfletário moldado de acordo com os seus interesses imediatos.

O modelo repete-se por todo o lado, sendo encontrado com facilidade na atuação da extrema-direita portuguesa, nesta altura de um modo particularmente visível quando nos encontramos em plena campanha eleitoral para as legislativas de maio e as autárquicas do outono. O uso constante e único desses quatro temas tem sempre por finalidade questionar a essência do regime democrático junto de muitos dos cidadãos que, infelizmente, no campo da política não têm grandes exigências e apenas apreendem simplificados soundbites. O mais grave, porém, não é a fórmula simples e grosseira, tantas vezes apresentada como a propaganda gritada da antiga «banha de cobra», é sobretudo o modo como mesmo esses temas são usados sem substância ou fundados na manipulação e na falsificação da informação, na tentativa de construir um clima de aparente degradação social e caos que tende a criar condições para ampliar conflitos, assim obtendo dividendos eleitorais.

Não importa se o patriotismo «patrioteiro» se baseia numa leitura mutilada e parcial da história, se a imigração regulada contém inúmeras vantagens, se a corrupção existente não se compara com a verificada em muitas outras paragens, e se apesar de problemas comuns a todos os lugares continuamos a habitar um dos países mais seguros e tranquilos do planeta, como confirmado em sucessivos relatórios internacionais. Fora disto, reverberado todos os dias numa linguagem de ódio, nada de objetivo e de positivo é proposto, sendo esta simplificação agora ampliada com o triste exemplo do voluntarismo alucinado e errático da administração Trump, usado para afirmar a legitimidade da sua política de acossamento de estados e dos cidadãos. O seu uso como exemplo acaba de entrar no desgraçado mantra, ou na perigosa lengalenga, da nossa extrema-direita.

Rui Bebiano

Fotografia de Igor Demidov
Publicado no Diário As Beiras de 22/4/2025
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