A SIC-Notícias acaba de passar uma reportagem sobre uma iniciativa da Liga dos Combatentes e da União Portuguesa de Paraquedistas no sentido de localizar e de levantar os restos mortais dos 11 militares que há 35 anos foram enterrados em Guidage, na Guiné-Bissau, após terem sido abatidos numa batalha muito dura para as tropas portuguesas. Intitulado «Ninguém fica para trás!», o programa expôs aos olhos do espectador-voyeur todo o detalhado trabalho de pesquisa e identificação dos mortos, cujos despojos foram tratados como meros objectos à disposição de uma observação científica voraz, mas também o confronto da sua descoberta com a memória dos familiares a quem a dor foi agora reacendida.
No debate que se seguiu, percebeu-se que a Liga pretende que esta iniciativa seja apenas um começo: propõe-se organizar equipas e partir para os territórios dos três antigos teatros da Guerra Colonial, com o substancial apoio financeiro do Estado e de pá e picareta em punho, à procura dos restos mortais dos milhares de militares portugueses que ali ficaram enterrados. Em grande número de casos com um convencimento, por parte das famílias, de que os seus mortos haviam regressado à «Metrópole» para se lhes fazerem os funerais. Numa campanha mórbida que visa, como ficou claro do inenarrável discurso de um dos responsáveis pela iniciativa – que se apresentou como «ex-combatente do ultramar» e «doutorado em neuropsiquiatria» -, um claro revanchismo militarista pós-conflito. Mais preocupado com «a honra» (daqueles que jazem, afinal, em território «inimigo» das «ex-províncias ultramarinas») que com o luto das famílias (um luto que não se importam de reanimar em nome dessa «honra» que inventaram).
Lúcida apenas a voz do Coronel Carlos Matos Gomes – um dos antigos combatentes que esteve nas três frentes de guerra e que presenciou inúmeras mortes em combate -, sublinhando com veemência o carácter doentio e chocante de uma reportagem que apenas explorou a curiosidade pelos dados científicos e pela emoção sentida das famílias envolvidas, desrespeitando a paz dos que caíram. E de uma iniciativa que pode dar início a um festim negro de busca e confirmação dos cadáveres dos mortos da Guerra Colonial. Reacendendo feridas, traumas e conflitos que julgávamos a caminho de serem resolvidos. Como se sabe, é perigoso brincar com fósforos.