Nas eleições iranianas, juram os apoiantes de Moussavi e confirmam os observadores, ocorreu uma manipulação em larga escala dos votos e dos resultados destinada a assegurar a vitória de Ahmadinejad. A verdade é que, para além da luta eleitoral, se defrontam hoje no Irão dois modos incompatíveis de viver o Islão. Não dois ramos de uma mesma religião, mas duas formas de viver a vida da qual a religião é apenas uma parte. Uma que visa o unânime, a tirania do livro único, para a qual a modernidade, os direitos humanos ou a evidência social das mulheres constituem uma criação demoníaca que é preciso esmagar. A outra que é capaz de partilhar uma experiência humana contraditória e plural, mais próxima de uma ancestral cultura islâmica de liberdade que nos últimos tempos tem sido esquecida. Duas formas de estar no mundo que correspondem a dois modos de vida: o pulsar de um universo peculiar mas integrador de uma tradição partilhada, global, jovem, aberta à diferença, contra o ritmo cadenciado do ódio cego, da escalada da violência, do obscurantismo e da recusa da interacção com o diferente. Os que aceitam falar contra aqueles que escolhem obedecer. Não ter posição neste confronto, fazer de conta que não é connosco, ou, pior, tomar partido por Ahmadinejad só porque este se arvora em paladino do anti-americanismo, apenas revela cegueira e menosprezo pelos princípios básicos de uma ética democrática.
Adenda: Ontem mesmo a nossa «televisão de serviço público» falou da situação no Irão durante 30 segundos no preciso momento em que a BBC News passava imagens em directo dos confrontos em Teerão. Após uma reportagem de cerca de 18 minutos sobre as andanças mundanas daquele rapaz madeirense que joga à bola.