Parecerá talvez um pouco estranho, provavelmente absurdo, um post como este sem o vídeo ao qual se refere a acompanhá-lo. Afinal, existem na Internet centenas, provavelmente milhares, de pequenos vídeos artesanais gravados por estes dias nas ruas de Teerão. Mas vi há dois ou três dias um muito particular, do qual por lapso não guardei o link – e daí a sua ausência –, que quero evocar aqui.
«Então é assim»: eu não sei quantos leitores deste blogue algumas vez participaram, sob ditadura, uma qualquer ditadura, naqueles momentos que antecedem uma manifestação de rua proibida, com todas as hipóteses de acabar mal e ser reprimida. Eu já, infelizmente e graças a Deus. Várias vezes, e de forma tão próxima, tão intensa, que após duas delas acabei o dia com os ossos na prisão. Da segunda vez, o episódio valeu-me mesmo uma guia de marcha para três anos de serviço militar obrigatório, quando deveria era estar a estudar, a ver cinema e a namorar. A situação que quero invocar é, no entanto, apenas uma circunstância, um fragmento desses momentos, cuja lembrança foi subitamente acordada.
Recordar-se-ão aqueles que partilham dessa experiência de manifestante ilegal que corre riscos, dos momentos que antecedem o clímax do protesto e a repressão: de início apenas um estranho silêncio, depois um rumor seco, vozes esparsas e em surdina, as pessoas todas muito juntas, ombros com ombros seguindo nos passeios, os olhares a medir o terreno, tensão no ar, as figuras casuais dos óbvios polícias à paisana, o ruído dos passos que batem no chão, compassados, antes ainda de se começar a gritar, primeiro a duas, depois a três, a cinco, a dez vozes, e de repente em uníssono. Revisitei tudo isto, mesmo sem perceber uma palavra daquilo que as pessoas murmuravam, e depois gritavam, ao ver o tal vídeo de rua gravado em Teerão. E senti, juro, a memória a arrepiar-se. Deve ser da idade.