Sinofilia

world
No princípio da década de 1970, entre Lisboa e Viena, uma horda de jovens sedentos de justiça deixava-se seduzir pelas imagens edénicas de um mundo que presumia igualitário. A revista Nouvelle Chine – a edição em francês era aquela que chegava a boa parte de uma Europa maioritariamente francófona – mostrava cenários coloridos que pareciam de papel pintado. Operários trajados de forma sóbria, que se presumia honesta. Raparigas de cabelos uniformemente curtos e olhares luminosos. Camponeses esquálidos mas sorridentes, as pernas mergulhadas no lodo em prol do socialismo. Os maoístas ocidentais – que o próprio Mao, sabe-se hoje, se esforçava por manipular – mimavam, ainda que sem idênticos meios, os inflexíveis Guardas Vermelhos. Sonhavam acordados com a sua Grande Revolução Cultural Proletária. A mesma que ergueria na terra o Paraíso do uno. Sem passado ou divergências, sem o indivíduo fora do colectivo, sem ricos e também sem riqueza. Fait accompli: a felicidade ali à mão, indestrutível e para sempre. O reverso da visão cinematográfica de uma China contemporânea, desafortunada, aberta, mesmo que de forma condicionada, ao múltiplo e ao incerto, ao conflito e à mudança, à transposição das fronteiras, que emerge de O Mundo (2004), o filme de Jia Zhang-ke agora nos cinemas.

    Olhares.