«Le merveilleux de cette entreprise infernale, c’est que chaque chef des meurtriers fait bénir ses drapeaux et invoque Dieu solennellement avant d’aller exterminer son prochain.» (Voltaire, do artigo Guerre no Dictionnaire Philosophique)
Se, para além do antiquíssimo cortejo de dor, destruição e morte, existe na guerra algum factor de inevitabilidade, ele deve encontrar-se na quase impossível posição de neutralidade de quem com ela se veja forçado a conviver. As tentativas para alcançar esse estado de inocência são tão impossíveis de manter quanto difíceis de justificar. E nem mesmo os místicos o conseguiram demasiadas vezes, como o comprovam as legiões multiétnicas de mártires da paz. O máximo que se pode conseguir nestas situações é fazer de contas que se não pertence a este mundo, pactuando ao mesmo tempo com a ordem das coisas que o domina.
Debaixo de fogo, entre gritos e explosões, respirando o cheiro inconfundível do combate – conhece-o bem quem já esteve em campo de batalha – é estranha a imparcialidade. Ali mata-se ou morre-se, foge-se em pânico ou fica-se paralisado pelo medo, luta-se por uma das partes, ajudam-se os seus feridos ou acalmam-se os que perdem o controlo, mas jamais poderá agir-se como se nada daquilo estivesse a acontecer. E, ainda que a confortável distância, ainda que em posição de presumível segurança, é difícil manter a equidade. Basta recordar a forma como os pacifistas foram tratados durante a Primeira Guerra Mundial, acusados de ausência de patriotismo e de pacto com o inimigo, ou como na mesma altura foram vistos certos membros das vanguardas artísticas, culpados de pusilanimidade. De resto, perante o desfile trágico dos refugiados, a visão dos corpos feitos em papa, as crianças em choque, os adultos transformados em bestas ou em cobardes, como ficar indiferente?
Pode, no entanto, pôr-se a questão em termos diferentes: será possível, em cenário de guerra, recusar a indiferença sem que tal signifique tomar partido por uma das partes? A guerra em curso no Médio Oriente recoloca a urgência desta questão e, de novo também, a necessidade de definir um esforço de resposta. A maioria das tomadas de posição – particularmente visíveis aqui no mundo dos blogues – tende a desenhar o confronto a traços unicolores, sendo raros os comentadores que assumem posições de equidistância. Separa-se portanto, quase sempre, o lado bom e justiceiro da metade má e criminosa. À esquerda, esta realidade é particularmente evidente, diabolizando-se inequivocamente os israelitas e glorificando-se a justeza de uma «causa árabe» cuja dimensão «genérica» jamais é explicada, para além da oposição, nem sempre racional, ao inimigo americano. À direita, o inverso: a assumpção do universo islâmico como factor de instabilidade e a glorificação entusiástica do carácter higiénico das bombas que o Estado hebraico faz cair sobre o martirizado Líbano. Somente a direita mais extrema, simultaneamente anti-semita e anti-sionista, parece bloqueada. Mas o quadro não pode ser assim tão simples e, razoavelmente longe dos combates, será possível esboçar uma reflexão comprometida e razoavelmente serena. Embora mais dura, uma vez que impõe o questionamento de certezas – determinadas por credos religiosos ou pelos vestígios das velhas metanarrativas – que é muito mais cómodo aceitar como inabaláveis. Talvez seja, então, a vez de uma opinião inequivocamente laica tomar a palavra.