Ele referia-se assim a ela. «Sempre lhe tive muito carinho. Porque se não a tratamos com carinho, não nos obedece. Quando vinha até mim, dominava-a e ela obedecia. Às vezes ela ia por aí e eu: ‘Venha cá, filhinha’, e trazia-a. Tratava-a com tanto carinho como trato a minha mulher. Tinha-lhe uma ternura tremenda. Porque ela é fogo». Quem falava desta maneira da bola de futebol era Didi, o centro-campista brasileiro do Mundial de 58. Não muitos anos depois, nós, os putos que jogávamos ao acaba-aos-dez-muda-aos-cinco numa rua pouco frequentada – longe, por justificada conveniência, do olhar dos nossos progenitores – ainda sabíamos de cor o nome dos três mosqueteiros: Garrincha, Pelé e Vává. Didi era o quarto, sem o qual, como acontecia no romance de Dumas, os outros de pouco valeriam. Foi ainda o inventor do remate em folha seca, feito com parte exterior do pé. Cinquenta anos mais tarde alguém se lembraria de lhe chamar trivela, dando erradamente por seu criador um rapaz português de origem cigana e com nome de Semana Santa.
Algumas destas coisas, e muitas outras mais, aprendia-as num livro – como sabe sempre bem, cheio de humor, drama, acção e até algum mistério – que nos fala da paixão e das lições do futebol. Chama-se Futebol: Sol e Sombra. Foi escrito pelo uruguaio Eduardo Galeano e editado pela Livros de Areia. Ponha-o lá na listinha dos livros para ler em Agosto e vai ver que depois se sentirá uma pessoa melhor. E perderá alguma ingenuidade também.