Sem rodeios: o principal vencido destas eleições autárquicas foi o Bloco de Esquerda. Mas a derrota só terá admirado quem viva demasiado fechado sobre o seu próprio universo de convicções. Para os outros, ela era de certa forma esperada. Anoto rapidamente quatro explicações que não esgotam o tema.
1. Com uma descida para pouco mais de um terço da percentagem de votantes em apenas duas semanas, ficou mais do que claro que uma boa parte do voto nacional (e local) no Bloco é um voto de protesto. Por si só, o empenho de muitos militantes e o talento de alguns dos seus rostos mais conhecidos, bem como a capacidade evidenciada para impor uma linguagem pública adequada ao «ar do tempo», ainda não são suficientes para gerar um espaço estável de identificação. E para assegurar a necessária confiança na sua capacidade para gerirem de facto as vidas das pessoas.
2. Por enquanto, quando descemos ao terreno, à dimensão do concelho, da freguesia, do bairro ou da rua, percebemos rapidamente a fragilidade orgânica do BE, as dificuldades de implantação social de muitos dos seus militantes e activistas, a falta de experiência de gente empenhada, muitas vezes generosa e cheia de energia, mas a quem falta sob muitos aspectos trabalho consistente reconhecido. Isso nota-se bastante no contacto directo e em eleições desta natureza, onde o que conta são principalmente os rostos dos candidatos e a segurança que oferecem.
3. Tornou-se agora mais sensível uma das debilidades do Bloco que tem acompanhado o seu trajecto. Refiro-me ao facto de, durante a maior parte do tempo, a sua agenda se ter concentrado em excesso no trabalho parlamentar e nos calendários eleitorais, reduzindo progressivamente uma das áreas de intervenção do BE original que era a participação diária dos seus militantes, e também das suas estruturas nacionais, em causas que tenham a ver com interesses e expectativas situados para além do combate institucional. Reconheça-se: um espaço que o PCP tem sabido preencher melhor.
4. Falo apenas como observador: é cada vez mais perceptível a opacidade do Bloco em relação à sua política de alianças. A «esquerda de confiança» – sempre achei infeliz e ambígua a expressão – hesita quando se trata de conciliar interesses, de «sujar as mãos» em experiências de poder que reduzirão necessariamente o peso do seu lado protestativo. Daí o grande erro que foi recusar em Lisboa uma aproximação a António Costa – o Daniel Oliveira já escreveu sobre isso – e, pior, o ter escolhido como alternativa um candidato que representa, em termos públicos, uma das vertentes mais rígidas do heterogéneo BE.
Agora é preciso emendar caminho, rever expectativas, e, acima de tudo, tornar mais claros os objectivos do combate político. O que implica luta de ideias, discussão de projectos, e não apenas passar um pano morno por sobre as feridas. Mas isso será, naturalmente, com os militantes do Bloco.
P.S. – Para que não existam confusões: eleitor em Coimbra, votei BE e apoiei publicamente o BE tanto nas legislativas como nas autárquicas. Não estou arrependido, mas também não sou cego.