A sobrevalorização da juventude, inaugurada com a emancipação dos baby boomers e a apoteose da cultura «sessentista», mas entretanto recuperada pelo capitalismo, sitia-nos dia e noite. É ela que tem levado os nossos principais partidos, quase todos eles – à excepção, talvez, do Bloco de Esquerda, que por ser um partido maioritariamente jovem não precisa para já de expedientes desta natureza – a atirar para a segunda fila visível dos comícios, das conferências de imprensa e das bancadas parlamentares com pessoas cuja qualificação fundamental, em alguns caos, é precisamente essa: ter menos de trinta anos, cinturinha estreita, um pouco de sex appeal e, claro, uma dose qb de fidelidade política. O patético e fugaz caso de Carolina Patrocínio, a «mandatária» do PS a quem em boa hora rapidamente tiraram o microfone, é exemplar dessa subversão do conceito de juventude, afirmado como um valor em si mesmo. Naturalmente, um partido ideologicamente arcaico e globalmente envelhecido como o PCP, precisa muito de recorrer a este género de expediente. E então lá puxa, para as mesas das conferências de imprensa, para as filas dianteiras dos comícios e desfiles, para um ou outro lugar visível da Assembleia da República, de alguns decorativos nascidos depois de 1980.
Claro que nem todos eles ficam bem na fotografia, pois assim que começam a falar – aqueles que o fazem – se percebe como a data do BI nada tem a ver com uma abertura ao tempo em que vivemos, com a ousadia, o humor descomplexado, a humanidade sem preconceitos ou a inteligência criadora que são características, presume-se, dos jovens que são jovens. A generalidade dos rostos visíveis e das bocas falantes da JCP mostram claramente esse lado, pois representam, quase invariavelmente, justamente aquilo que o seu partido tem de mais cavernoso e dogmático. Os exemplos são inúmeros, mas basta por agora olharmos para o último.
Falo, evidentemente, do caso da deputada Rita Rato, de 26 anos, membro da Direcção da Organização Regional de Lisboa do PCP e da Direcção Nacional da JCP, «licenciada em Ciência Política e Relações Internacionais» e mestranda na mesma área (sic), a qual, confrontada com a pergunta jornalística sobre a existência do Gulag, afirmou: «não sou capaz de responder porque, em concreto, nunca estudei nem li nada sobre isso». Este «isso» trata-se de um pequeno detalhe: a morte de milhões de seres humanos – não apenas milhares, como refere um outro texto no qual também se comenta o caso – e a destruição física e moral, ao longo de décadas, de largos milhões de outros, numa escala numericamente superior à do Holocausto e que abrangeu desde simples cidadãos sem culpa formada a muitos militantes comunistas «culpados» apenas de, real ou imaginariamente, terem divergido de Lenine (sim, o Gulag foi inaugurado ainda em vida do chefe dos bolcheviques) e sobretudo de Estaline. Aquilo que impressiona não é a ignorância da Rita diante de um tema sobre o qual existem tantos livros e documentação disponível, uma vez que, provavelmente, ela nem será totalmente verdadeira, mostrando apenas falta de jeito na tentativa de fugir à questão. O que preocupa, e muito, é, para além da pequenez de formação cultural (e académica) que revela, o facto de alguém com as suas responsabilidades políticas e esta dose de ignorância (ou, pior, de má-fé) ser deputada num parlamento democrático e quadro de um partido que o integra. Mas se não arrepiar caminho terá o futuro assegurado dentro do seu círculo de giz.
Post Scriptum – No número de Novembro da revista mensal LER, à venda dentro de dias, publicarei um artigo extenso sobre a literatura do Gulag. Talvez possa interessar também a quem jamais ouviu falar do assunto de outra forma que não seja a da perspectiva cúmplice ou desculpabilizadora.