O mercado e a comunicação de tudo se apropriam, tudo usurpam com o seu apetite. Mesmo o protesto de rua se vê envolvido pela lógica mercantil e mediática, com linhas de vestuário casual, sedutor e confortável, próprio para utilizar em manifestações e fugir com agilidade diante da polícia. Em algumas cidades, empresas especializadas contratam desempregados para servirem de figurantes no espectáculo televisivo sempre que a causa não seja suficientemente mobilizadora. Mas este é apenas um dos lados, já que o activismo de rua é sempre capaz de reinventar estratégias, recorrendo até às tecnologias que o próprio sistema disponibiliza, como se pôde ver ainda há poucos meses nas ruas de Teerão ou agora em Copenhaga.
Entretanto o recrudescimento da arte da manifestação passa também pela adaptação de quem a pratica às circunstâncias do poder que, em democracia, se vê forçado a combinar o uso do cassetete, do gás-pimenta e da cela incomunicável com a vigilância da opinião pública e os mecanismos jurídicos disponibilizados pelo Estado. É esta realidade que faz com que o sindicato francês da magistratura tenha sentido o dever de publicar uma edição actualizada, de 36 páginas, do seu Guide du Manifestant Arrêté, um catálogo up-to-date dos direitos do manifestante detido, que esta semana a revista Inrockuptibles – à venda no nosso país nas boas tabacarias* – oferece como encarte. Um conselho retirado ao acaso: antes de se manifestar diga a um amigo ou familiar para onde vai e leve consigo papel e lápis para poder espalhar recados por onde puder, pois nada garante que os vigilantes do estado democrático o deixem fazer valer os seus direitos antes de levar uns valentes apertões e ficar sem dois ou três dentes. E olhe que mesmo em Portugal não convém fiar-se no mito urbano dos brandos costumes.
* Enquanto estas puderem continuar a chamar-se tabacarias.