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No dia 5 de Outubro de 2010 completar-se-ão cem anos sobre o fim da monarquia e a proclamação da República Portuguesa, que chamamos hoje de «Primeira». Pelas notícias que chegam e os indícios que vão sendo espalhados, todo o ano que vem será marcado por iniciativas destinadas a evocar o centenário. Temo, no entanto, que a generalidade das sessões solenes, dos congressos, dos colóquios, dos debates, das exposições, dos desfiles, dos descerramentos de lápides, das romagens de saudade a cemitérios, dos artigos de jornal, dos suplementos, dos livros, dos álbuns, dos programas de televisão, dos posts de blogues, venha a assumir um carácter mais solene e ritual, ou então acintoso e depreciativo, do que evocativo de um tempo de viragem, de escolhas, de atitudes que merecem ser não apenas lembradas mas revistas com sentido crítico aos olhos de hoje. Tudo dependerá, naturalmente, de quem organize as iniciativas e pretenda capitalizar a efeméride em seu favor. E das opções de quem assegure a sua mediatização.
Seria, no entanto, um favor à memória da República e dos republicanos, e também uma dádiva à experiência actual da cidadania, que, mais do que endeusar ou diabolizar nomes, destacar ou amaldiçoar decretos, distinguir ou esconjurar determinados momentos, se procurasse compreender o essencial – e não apenas o acessório e o inócuo – desse mundo que aquela manhã de Outubro empurrou para o passado. Se pudesse revisitar a experiência multiforme à qual deu lugar, descobrir as esperanças que ficaram por cumprir. Só desta forma os ideais republicanos poderão retroceder por instantes à vida, e deixarão de inscrever-se apenas num tempo remoto, fantasmagórico, que apenas interessará verdadeiramente os historiadores e o seu público. Porque não aproveitar para re-discutir o regime, o laicismo, a religião, a família, a escola, o ensino, as tradições, a opinião pública, a intervenção das mulheres, e outros temas que, cem anos depois, permanecem ainda nas nossas expectativas e preocupações? Teremos tempo de falar de tudo isto com maior vagar durante os próximos meses, assim uma ressaca má da overdose de República não sobrevenha demasiado cedo.