Passou quase despercebido um despacho publicado há dias pela agência Lusa. Não noticiava nada em particular, nem anunciava algo de novo, resultando o seu interesse de nele alguém naturalizar como aceitável ou mesmo necessária uma prática preocupante. A partir do anúncio, ainda mal esclarecido, de que a TAP teria sancionado pilotos com um «curso de ética» devido a conversas mantidas no Facebook, entrevistava-se um «especialista da empresa de recrutamento Michael Page» capaz de afirmar com a maior candura que na utilização das redes sociais os trabalhadores «precisam de estar atentos à forma como as utilizam, até para não prejudicarem a sua imagem perante futuros empregadores». Considerava-se mesmo que o trabalhador deve evitar informações «pouco abonatórias» para a empresa onde trabalha como forma de proteger o seu próprio trabalho. No referido despacho, Nuno Troni lembrava ainda, e aparentemente lamentava, que para as empresas seja «muito difícil controlar toda a informação que os colaboradores trocam entre si», quer num contexto de trabalho, quer ao nível social, com amigos ou familiares.
A partir da altura em que a expressão de opiniões e a troca de informações na Internet se universalizou, a partir da altura em que aquilo que cada um escreve passou a ser mais lido e a circular com uma cada vez maior facilidade, quando a velha e já quase esquecida netiqueta cedeu lugar ao abuso do anonimato e à frequente instrumentalização da rede como arma de arremesso, as consequências passaram a ser mais pesadas e, naturalmente, o grau de responsabilidade de quem fala por aquilo que diz tendeu a aumentar. Mas para moderar os efeitos negativos, nas redes de computadores como nos jornais ou na rua, agora como dantes, existem códigos éticos e instrumentos jurídicos, bem como regras próprias de cada um dos meios, que podem humanizar um pouco a lei da selva e alargar a própria noção de responsabilidade. Agora admitir como necessárias e naturais a vigilância e a autovigilância, a coacção da opinião, a anulação da liberdade de crítica, e até, implicitamente, a construção de bases de dados contendo as opiniões dos cidadãos-trabalhadores, tal como o fez o «especialista» da Michael Page, traduz-se num ataque público à liberdade de opinião e numa defesa do silenciamento da divergência. É inquietante que a Lusa, «Agência de Notícias de Portugal», tenha olhado com indiferença para estas declarações limitando-se a passar a mensagem.
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