Carrossel

Carrossel

É nestas alturas que pessoas como nós, que cruzamos as cidades de sapatos confortáveis, circulamos pelas auto-estradas a ouvir mp3 no bem-bom do ar condicionado e nos indignamos com o cheiro a pipocas no cinema, que blogamos e tuitamos e feicebucamos, digitamos teclados virtuais ou bluetooth, sabemos distinguir um iPod de um iPad, vamos a concertos e a festivais, viajamos de avião, passamos por hotéis silenciosos e restaurantes onde ninguém levanta a voz, percebemos que continua a existir um país para o qual o jogo da vida se faz do futebol da «liga dos últimos», de iscas de cebolada, de circos manhosos, bailes dos bombeiros e umas voltas de carrossel ou carrinhos de choque. Eu nasci e vivi uma parte da minha vida a vinte quilómetros de Pedrógão Pequeno e não sabia que era essa a distância que me separava da «capital do carrossel». A medida exacta da minha ignorância e da minha miopia, que é a de todos nós que vemos aqueles homens e aquelas mulheres um pouco estranhos, todos com mais de quarenta anos, corpos flácidos, camisolas puídas, calçado cheio de lama, a reivindicarem que não lhes retirem o cabo do mundo onde ainda conseguem viver. A exigirem direitos que para eles marcam a distância entre a sobrevivência e uma vida pior ainda do que aquela que levam. A fazerem com que conheçamos o tamanho da nossa indiferença.

    Atualidade, Democracia, Olhares.