Bem sei que serei um pouco suspeito para falar de O Essencial sobre a Esquerda Radical, de Miguel Cardina, pois sou amigo e companheiro de blogue do autor, orientador da sua tese de doutoramento sobre o maoismo em Portugal e coordenador da colecção na qual o livro foi publicado. Além disso, fiz parte do enredo deste. Mas uma vez confessada a parcialidade fico à vontade para recomendar este pequeno volume como uma eficaz síntese sobre a intervenção cívica, durante os derradeiros anos do Estado Novo, de um sector da oposição que até agora tem sido referido num registo meramente memorialista e autocomplacente, ou ao nível da boutade sobre o «tenebroso» passado político de Fulano, Sicrano ou Beltrano.
De forma sumária, pode dizer-se que da sua leitura resulta claro: 1) que nenhum dos numerosos grupos inventariados procurava transformar o regime, melhorá-lo, «democratizá-lo», e todos associavam a sua queda à queda do capitalismo e a uma Revolução redentora cujos contornos eram incapazes de precisar; 2) que todos eles condicionavam a ambicionada política de alianças à «direcção da classe operária» e à intervenção da violência revolucionária como «parteira da História»; 3) que a par da luta contra o regime e contra o sistema capitalista, o combate contra o PCP, acusado de «reformista», «revisionista» ou «burocrático», foi uma constante e um factor de mobilização; 4) que neste ambiente pairava omnipresente a marca de um internacionalismo veemente e de um antinacionalismo visceral, acusando-se também o PCP de transigir nesses domínios; 5) que surgia como indispensável o alargamento do político ao domínio do privado, procurando combater-se a alienação económica, psicológica, sexual, cultural e ideológica «imposta pela burguesia»; 6) que era perceptível neste sector uma sobrevalorização do papel transformador da juventude e do carácter avançado do movimento estudantil, de onde provinha a maior parte dos seus membros; 7) que, apesar do escasso número de militantes, o seu extremo activismo, a importância prioritária que davam à luta anticolonial e a defesa de que só a ruptura era possível, conferiram a estes grupos, no seu todo, um apoio razoável entre a juventude e um papel muito importante, em particular durante o período marcelista, na preparação das condições subjectivas para a queda do regime. Através deste Esquerda Radical fica ainda a perceber-se um pouco melhor o porquê de, com todas as suas forças, fraquezas e numerosas contradições, eles terem desempenhado um papel saliente no combate político e social travado durante o «biénio revolucionário». [Miguel Cardina, O Essencial sobre a Esquerda Radical. Angelus Novus, 120 págs.]
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