Nos cem anos sobre o nascimento de Dimitri Shostakovitch pode recordar-se a intensíssima capacidade criadora, a multiplicidade dos géneros dos quais se serviu, a dimensão monumental de quase todas as sinfonias, a dor e o grito que se podem escutar principalmente nos quartetos de cordas. Pode também falar-se da tensão constante que foi a sua hesitação entre o vermelho e o cinza. Do esforço, e do perigoso jogo que jogou, para sobreviver ao combate entre o seu interesse pelo experimental, pelas «perversões formalistas» e «cosmopolitistas», ou pelo introspectivo e melancólico, e o panfletarismo do realismo socialista, que o «paizinho dos povos» foi acompanhando com sucessivas exigências e ameaças pessoais. Mas prefiro lembrar a vida quase sempre solitária de uma figura pública. Homem de Mármore e comunista, e músico, que conviveu, por vezes como cúmplice, com a degradação do silêncio.