Para Saul Bellow existiam dois tipos de pessoas: os beers e os becomers. Numa tradução razoavelmente livre, «os que são» e «os que hão-de ser». Os primeiros esforçam-se por não mudar, chega-lhes a vida que têm, confiam num destino previsível, num lugar certo e seguro para viver de forma habitual. Os outros não se conformam com o mundo tal qual ele é, preferindo a incerteza, o nomadismo – vivencial, não necessariamente geográfico – e, de vez em quando, uma certa dose de aventura. O nosso tempo é francamente dominado pelos cautelosos beers, enquanto os inconstantes becomers são empurrados para as margens, confinados a um trajecto que passa ao lado de um padrão de prestígio que deliberadamente ignoram. Claro que estes jamais compuseram maiorias, pois um mundo dirigido por becomers seria, na realidade, um mundo alucinante.
Em certas épocas, em algumas circunstâncias, em momentos precisos, o seu papel foi no entanto apreciado e até citado como exemplo. Sem a intervenção que protagonizaram, «os que são» ter-se-iam encarregado de coactar a criação e a iniciativa, padronizando o código genético de gerações de autómatos. Os iluministas, os românticos, os modernistas e os indisciplinados dos anos cinquenta e sessenta do século vinte procuraram contrariá-los. Durante algum tempo ergueram como dominante o modelo dos que perseguem uma vida feita de demandas, de equívocos e de interrogações. Uma vida de Quixotes, como a do herói anti-heróico para quem a presença no mundo se fundava na busca desse outro, viageiro e inconstante, que muitos de nós queremos ser. Na ignorância desses beers que, não por acaso, fazem do quixotismo uma opção depreciada, uma experiência na fronteira do inútil e do patético. Preferem o sabor do realismo e um tempo regulado, sem audácias ou perigos.