Os pais não falavam de sexo com os seus filhos. «Naquele tempo», como se dizia nas parábolas, tudo era envolvido em véus e meias-tintas. Embora essa ausência acordasse em muitos deles uma irrefreável vontade de se chegarem à prateleira mais alta para surripiarem A Nossa Vida Sexual, de Fritz Kahn, escondida por detrás do volume do Novo Testamento e do Livro de Pantagruel da Dona Berta Rosa-Limpo. Aos estudantes do secundário estava também vedado o acesso normal a tudo do qual pudesse assomar uma sexualidade exterior à obscura vida de alcova consagrada pelo sacramento do matrimónio. O que inibia muitos de lerem nas aulas de português um certo Canto dos Lusíadas, forçando-os a fazê-lo fora delas ao mesmo tempo que iam imaginando coisas. E, claro, não se deviam, não se podiam, escrever ou pronunciar palavrões. «Pimenta nessa língua» era a ameaça mais suave para quem o fizesse. Mas qualquer criança da escola primária conhecia, ainda que de forma enviesada, mediada por algum colega mais vivaço e solícito para quem os termos já não tinham segredo algum, o significado vernáculo de caralho, cona ou broche.
Pois agora são o Diário de Notícias ou a RTP a indignar-se por um dicionário abreviado da língua portuguesa utilizado em escolas do ensino básico conter «palavrões» como os acima mencionados. No pressuposto de que jamais deveriam ser conhecidos por menores, independentemente destes os pronunciarem por hábito e com o maior à-vontade. Pessoalmente nunca gostei do abuso do palavrão, que sempre me soou a indigência vocabular ou à expressão de uma vontade infantil de chocar as audiências (vejam-se os tiques retóricos de certos bloggers mais agressivos). Uso-o muito moderadamente, em ocasiões raras e só por necessidade, embora quando me magoo na esquina de uma cadeira não me sirva propriamente de um modesto «fornique-se!». Mas o espanto projectado a partir da simples existência do tal dicionário e a sugestão implícita da sua proibição formal parecem-me resultado de um moralismo estúpido, anacrónico e, agora mais do que nunca, completamente inútil. Ele sim maldoso por apelar à ignorância. A propósito: o corrector ortográfico Flip, versão 8, que estou a utilizar neste momento, não sublinhou automaticamente a vermelho as palavras grossas que atrás escrevi. Será que se destina apenas a maiores de 18 anos?
Adenda: Não sei se não será relevante o facto de o dicionário ser da responsabilidade de uma editora do Porto. Diariamente confrontada com o meio envolvente.