Uma vez mais os números resvalam. Centrais sindicais e governo avançam com dados completamente divergentes sobre a adesão à Greve Geral, deixando no ar a impressão de esta ter valido mais por aquilo que representou para cada um dos lados do que por aquilo que inequivocamente deveria ter mostrado à opinião pública nacional e internacional.
Uma greve desta natureza só teria um real impacto e forçaria o governo a repensar políticas e decisões se fosse acompanhada de campanhas de mobilização intensas, massivas e bem sonoras. Mais voltadas para os espaços públicos (ruas, bairros, mercados, estádios, centros comerciais, redes sociais) do que para as conferências de imprensa e os placards dos sindicatos. Mais dirigidas ao cidadão comum do que aos núcleos activos na administração pública e nas empresas, que apesar de um trabalho apreciável muitas vezes se remetem a uma actuação corporativa. Só teria verdadeiro efeito se tivesse sido acompanhada de demonstrações públicas unitárias e ousadas (desfiles, buzinões, meetings, campanhas de desobediência cívica), mais apontadas às lógicas do sistema do que aos seus efeitos perversos, momentaneamente insuperáveis. Só teria vencido se tivesse sido capaz de uma dinâmica transnacional, partilhada com organizações sindicais e políticas de outros países, já que aquilo que está a acontecer tem também uma dimensão que ultrapassa todas as fronteiras. O combate contra a selvajaria dos mercados financeiros, contra o alargamento das desigualdades e pela recuperação do Estado social não é apenas nosso; procurando parecê-lo acaba por dar o flanco.
No entanto, para que tudo isto seja possível são precisos movimentos sociais dinâmicos e organizações de trabalhadores mais abertas e desburocratizadas, atentas à mudança do mundo e à passagem das gerações. Não organizações dirigistas e entrincheiradas, de natureza algo proteccionista, com estratégias «de classe» bem definidas ou que actuam como prolongamento de agendas políticas partidárias. Para lá chegarmos existe, claro, um longo caminho a percorrer, não sendo líquido que ele não venha a conter recuos. Entretanto vai-se fazendo o que é possível fazer. A Greve Geral devia ter sido convocada e foi importante, mas que não se venha agora com a lengalenga da «grande vitória» se o outro lado não recuou nem vai recuar um milímetro. Porque não se sentiu realmente abalado.