Tal como aconteceu com milhões de pessoas, só em 2010 transformei realmente em hábito a experiência do Facebook. Tendo servido de batedor na utilização da Internet fora dos centros de computação, usando-a diariamente a partir de 1994, passei por diversas fases, tanto na rotina dos processos técnicos quanto nas vias e expectativas da comunicação partilhada que é a sua essência funcional. Primeiro foi o pequeno grupo de pessoas conhecidas, saído ainda das antigas redes universitárias. Depois um colectivo alargado, com uma dimensão territorialmente ampliada mas com um volume de participantes e de tráfego que assegurava um estilo próprio do grupo reservado. O grande salto veio de seguida, no período das revistas electrónicas – geri uma entre 1996 e 2002 –, com a tentativa de usar uma ferramenta barata para chegar a um grupo ampliado mas ainda identificável. A quarta etapa arrancou por volta de 2004, com a generalização do acesso à rede, a impessoalização de uma grande parte dos contactos e depois o crescimento da opinião partilhada introduzido pelos blogues. Ao longo das quatro etapas resisti sempre a participar nos modos de comunicação em tempo real, como chatrooms, o IRC, o MS Messenger ou, bem mais próximo, o Hi5. Para ser sincero, pareceram-me sempre espaços de conversa que substituíam de maneira bastante artificial a velha e calorosa prosa de café. Com a agravante, dada a ausência de rostos, de desresponsabilizarem as pessoas pelo que escreviam/diziam, dentro de um clima um tanto insalubre, pouco compatível com a reflexão, a reserva, o prazer e a disponibilidade de cada um.
O apelo do Facebook foi diferente. Apesar do carácter egotista e publicitário dos processos usados e de muitos dos conteúdos, apesar do apelo à atitude compulsiva que bastantes vezes projecta, apesar da capacidade para arremessar para o domínio do público aquilo que cada um até agora ciosamente guardava no campo do privado – «Facebook is watching you», avisava há tempos um título da Manière de Voir –, a diversidade de processos que combina tem permitido a construção de pequenas comunidades. Capazes, sobretudo antes de se chegar ao ponto em que o número de «amigos» ultrapassa o razoável transmutando o grupo em multidão, de partilhar experiências, prazeres, informações, ideias e causas. Philippe Rivière chamava-lhe há dias «espelho mágico», mas esta magia contém os mesmos dois flancos magnéticos de todas as magias: a manipulação e o encantamento. No entanto, não vejo no segundo nada de necessariamente negativo, desde que quem se deixe encantar o faça conscientemente e no uso da sua liberdade. Claro que já é mais perigoso e movediço esse lado obscuro dos «amigos» mirones que não escrevem mas registam o que escrevemos, que usam a plataforma como mera tribuna pessoal ou partidária, que ignoram a dimensão lúdica deste instrumento recuando diante da menor frase mais livre ou intimista. Mas nada disto é novo e onde há muita gente a complexidade humana sempre exponencia tanto as suas qualidades quanto os seus defeitos, aproximando, separando e reagrupando. No que me diz respeito, quando o registo informativo e questionador, divertido e cúmplice, deixar de ser possível, trocarei de arquipélago. Até lá, e enquanto o hábito não tolher a liberdade, acredito que me mantenho num caminho transitável. Com alguns recantos acolhedores.