Amigos da Floribella

Já passaram alguns dias desde que saiu, mas aponto ainda para a crónica de José Pacheco Pereira editada no Público de 30 de Novembro (e acessível aqui em versão revista). Falava ela dos «Sentimentos Misturados» que lhe parecia poder partilhar com Jorge Silva Melo. Sobre as franjas juvenis, urbanas e insatisfeitas que se movimentavam nos nossos anos 60 e das quais possui uma perspectiva que contrasta abertamente com o habitual discurso auto-celebratório dos seus sobreviventes: «Havia muita paranóia, mas, descontada toda a obsessão pela perseguição, sobrava um grão imenso de realidade violenta, bafienta, claustrofóbica, mesquinha e provinciana, que contaminava tudo».

Por sobre esse cenário pairava, inabalável, a crença na capacidade salvífica do povo. Crença que hoje, sem dúvida, a ambos deixará cépticos: «os filhos dos deserdados das cheias, os filhos dos operários do Barreiro, os filhos das criadas de servir, os filhos dos emigrantes de Champigny, os filhos da “canalha” anarco-sindicalista e faquista de Alcântara mandam no consumo e o mundo que eles querem é muito diferente». E, de novo, o desencanto: «Queríamos que “eles” tivessem voz e agora que a têm não gostamos de os ouvir (…) Queríamos que eles desejassem Shakespeare e eles querem a Floribella, os Morangos e o Paulo Coelho. E depois? Ou ficamos revoltados ou pedagogos tristes e ineficazes, ou uma mistura das duas coisas». A diferença, fica implícito, está na pertença a uma esquerda incapaz de o reconhecer. Ou que, quando o faz, tende a desculpabilizá-los dizendo que a culpa não é deles. Nem dela.

    Recortes.