No Libération de hoje, Bernard Guetta sugere quatro novos vectores de desenvolvimento nos processos de mudança política a decorrerem nos Estados islâmicos. O primeiro refere-se a um despertar do Islão associado à ampliação daquilo a que chama os valores universais da democracia; o segundo diz respeito ao peso adquirido por uma juventude numerosa, descontente e impaciente, que recebe da Internet o impacto cultural da globalização; o terceiro dá um grande valor ao exemplo da actual Turquia, permitindo mostrar que islamismo, laicidade e desenvolvimento económico não são inconciliáveis; e o quarto sugere a instalação inexorável de um novo «xadrez democrático» que vai de uma esquerda activa e moderna a partidos religiosos conservadores mas capazes de superarem os sinais bestiais do islamismo. Guetta é um jornalista sénior, especialista em geopolítica, que conhece razoavelmente o universo do qual fala desta forma tão animadora, e nós, depois de habituados a olhar para aqueles territórios como inapelavelmente esmagados por ditaduras brutais e líderes religiosos todo-poderosos, facilmente olhamos as suas projecções como sinais de uma transformação positiva. Só que este optimismo em versão wishful thinking é perigoso e desarmante, pois nada nos garante que o Islão aparentemente democrático, moderno e urbano, que de repente tirou o véu e mostrou um rosto benigno, não seja rapidamente esmagado, antes ainda de deixar semente, pelas hordas de resignados, facilmente manipuláveis pelos tiranos ou pelos pregadores, que têm atrás de si séculos de uma cultura de submissão e pouco treino nas subtilezas da democracia. Por aqui, no conforto desta Europa por estes dias fria e chuvosa, esperar que aconteça aquilo que mais desejamos – deparar de repente com um Islão afável, de gravata, óculos de marca ou boné de basebol – pode levar a uma desilusão imensa. O jogo está lançado mas o desfecho é imprevisível. E como nada podemos fazer, resta-nos esperar por um bom resultado, sem sabermos muito bem qual possa ser ele.